Do que a imprensa, especialmente a Folha, já publicou sobre as finanças da última temporada eleitoral – descontado um certo tom de respiração curta com que os números são divulgados – restam poucas dúvidas de que, sem o financiamento público exclusivo das campanhas, os candidatos continuarão gastando cada vez mais os tubos, como se acaba de ver, e cada vez mais aumentará a sua dependência dos grandes doadores.
E – surpresa! – estes são e serão os mesmos empresários que fazem e farão grandes negócios com os governos. Tudo lícito, naturalmente, mas tudo promíscuo também – o tal do contubérnio espúrio de que costumavam falar os bacharéis chegados a um pedantismo para se referir ao casamento imoral entre o público e o privado.
Ah, contestam os céticos, não vai adiantar nada! O Tesouro vai sustentar as candidaturas a todos os cargos eletivos, na base de R$ 7 por eleitor. E os bancos, as empreiteiras e os demais suspeitos de sempre vão continuar cacifando os seus preferidos – só que por debaixo do pano.
É, pode ser. Mas vai ficar um pouco mais difícil para uns e para outros, principalmente se a mudança vier acompanhada da participação dos fiscais da Receita no exame da contabilidade das campanhas, cruzando a numeralha de doadores e doados.
Mas o contra-argumento principal é outro. Matar é crime capitulado no Código Penal – e ainda assim as pessoas matam. Nem por isso passaria pela cabeça de alguém descriminalizar o homicídio.
E por falar em regras eleitorais, deu no jornal que, entre as medidas de reforma política propostas pelo Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social criado pelo presidente Lula, o chamado Conselhão, está a proibição de que mandatários eleitos se candidatem a seja o que for enquanto não cumprirem o mandato.
Se isso estivesse em vigor, o prefeito José Serra – para citar o exemplo mais notório – não poderia passar a bola para o vice Kassab e disputar o governo paulista.
A novidade parece boa, mas não é. Afora a certeza de que um projeto nesse sentido não passaria nem a tapa no Congresso, não faz sentido, nem é justo com os políticos em um país com eleições a cada dois anos (municipais e nacionais em rodízio) e direito à reeleição.
Prefeitos e vereadores que queiram se estadualizar ou federalizar, ou, por outro lado, deputados que gostariam de virar prefeitos, teriam de ficar chupando o dedo durante dois anos. Menos concorrentes para os demais, portanto.
De mais a mais, por que não deixar que o eleitor puna ou recompense o candidato que largou o serviço pela metade para começar outro?
Ampla maioria dos paulistas – e dos paulistanos – , por exemplo, não acharam que era o caso de deixar José Serra ao sol e ao sereno depois que ele largou a prefeitura da Capital, tendo prometido não fazê-lo.
Houve gente que, embora o considerando o melhor nome para o governo estadual, anulou o voto em protesto contra a quebra da promessa. Muitos mais, porém, deixaram para lá.
Em matéria de limitações arbitrárias ao direito de votar, ser votado e exercer o mandato sem restrições já basta a aberração da cláusula de barreira (partido que não tenha obtido 5% dos votos para deputado federal em no mínimo 9 Estados perde as prerrogativas dos demais, seja na Câmara, seja no rateio do Fundo Partidário).
Isso foi uma invenção da Alemanha redemocratizada para impedir o acesso da extrema direita e extrema esquerda ao Parlamento. A idéia foi copiada pelos portugueses – sabe-se lá por que.
Mas o Conselhão fez bem em defender o sistema proporcional de listas fechadas, em que o cidadão vota em partidos, não mais em candidatos individuais. Se a votação do partido X, por exemplo, lhe der direito a 30 cadeiras nas câmaras legislativas, elas serão ocupadas pelos 30 primeiros da lista apresentada pelo partido.
Do jeito que as coisas são hoje, o principal adversário de um candidato a deputado ou vereador de um partido não é o candidato de outro partido, mas do mesmo. O sistema proporcional de lista aberta, como é chamado, existe em pouquíssimos países, além do Brasil. Os outros são Chile, Peru, Polonia e Finlândia é um deles.
Destes, só a Polonia é um país populoso, com 40 milhões de habitantes e 450 deputados. A Finlândia tem 5,2 milhões de habitantes e um Parlamento com 200 deputados. No Brasil, somos 126 milhões de eleitores e a Câmara hospeda 513 deputados.
Voltando ao ponto de partida deste texto, fica obviamente mais fácil instituir o financiamento público exclusivo das campanhas quando o eleitor vota em partidos e não em candidatos.
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