Coluna é coisa boa: traz muita notícia em pouco espaço, tem fácil leitura, é um ponto de fixação do leitor, muitas vezes funciona como pauta para a reportagem do veículo, permite dar notícias que não foram aprofundadas.
Mas há um fio de navalha, que não pode ser transposto, entre a notícia de interesse e a pura e simples publicidade. Informar numa coluna que aquelas calças maravilhosas e caríssimas que se esgotaram rapidamente já estão novamente à disposição do público na loja X tem muito mais cara de anúncio do que de notícia. Dizer que quem não for convidado para uma festa promovida por Fulana e Sicrano está definitivamente banido da vida social tem toda a cara de promoção de Fulana e Sicrano.
Esta é uma discussão que vai e volta. Quando se iniciou o Jornal da Tarde, uma das discussões mais pesadas envolveu a coluna de restaurantes: elogiá-lo não seria equivalente a fazer um anúncio? A decisão foi tornar a análise o mais técnica possível; e fazer críticas, também, sempre que necessário. Foi uma boa solução. Mas imagine uma nota segundo a qual quem não come num determinado restaurante deveria frequentar um cocho.
Coluna exige cuidado – e não apenas porque não pode confundir-se com anúncio, mas porque é ótima para plantação. Cabe ao colunista distinguir o que é importante do que é plantado. E correr o risco de que falava o político americano Adlai Stevenson: editor é o sujeito que separa o joio do trigo, e publica o joio.
E o Lula, hem?
Nossos colegas falam do presidente Lula, brincam com o lulês, fazem piada com a peculiar concordância utilizada por Sua Excelência – aquela coisa de ‘os companhêro’. Aí a gente abre o jornal. Num só dia, num único caderno de esportes, havia um ‘insistir ao jogo’; ‘aquisição dos carnês da parte dos pais para seus filhos’ (este colunista imagina que seja algo como compra pelos pais de carnês para os filhos), ‘o atleta foi contratado junto ao clube X’ e uma preciosidade que não foi possível decifrar: ‘Porém ele bastaram mais dois dias’. Socorro, professor Pasquale!
Mais socorro
Antigamente, o português era maltratadíssimo nas placas artesanais expostas nas ruas. ‘Concerta-se bicicretas’, ‘Frangos assado na braza’, por aí. Mas anúncio feito por organizações costumava ser mais bem-feito. Pois não é que agora uma ONG expõe no Conjunto Nacional, numa das áreas mais chiques de São Paulo, uma placa que comemora um projeto de educação social no qual as crianças superam ‘os obstáculos da pobresa’? Ainda bem que é educação social. Já pensou se ensinassem a garotada a escrever?
Fato e fofoca
De acordo com o título, ‘Pelé diz que Ronaldo está gordo’. E que é que Pelé disse, de verdade? Está no texto: ‘Se o Ronaldo está gordo? Sim, é um gordo que eu gostaria de ver em meu time’. É como se alguém perguntasse se Pelé, com lm70, não é baixo para jogar de atacante, e recebesse a resposta: ‘O Pelé, baixinho? Sim, é um baixinho que eu queria ver no meu time’.
O problema é que a fofoca no título repercute pesadamente: vai para o rádio, é repetida como frase curiosa pelas revistas, transforma-se em tema de reportagens. Parece que Pelé criticou Ronaldo, quando na verdade o elogiou muito. Mas que fazer, quando a imprensa prefere a fofoca?
Fofoca e fato
Foi o que ocorreu muitos anos atrás, quando Lula, se não me engano na Caravana da Cidadania, disse algo como ‘esse filho da p. do Itamar está perdendo a chance de mudar o Brasil’. Uma interjeição, apenas; uma interjeição que pode ser até elogiosa, dependendo do contexto. Imagine um brasileiro colocando nas nuvens o goleiro da Seleção: ‘Pode decidir nos pênaltis que esse filho da p. pega tudo!’ No entanto, saiu na imprensa que Lula tinha insultado a mãe do presidente da República.
Trabalhando na imprensa, a gente tem às vezes um grande poder. E é preciso ter responsabilidade para usá-lo. Fato é fato, fofoca é fofoca.
Maltratando os bichos
Parece incrível, mas temos um Ministério do Meio Ambiente (comandado pela senadora e ambientalista Marina Silva). Temos também repórteres que acompanharam a visita do presidente Lula à selva amazônica. Mas não tivemos nenhuma entrevista com a ministra do Meio Ambiente sobre duas barbaridades que o presidente da República testemunhou e sobre as quais não se manifestou: primeiro, a jaguatirica acorrentada nas dependências da base aérea (é crime prender animais silvestres – e, se este colunista não se engana, crime inafiançável). Segundo, a captura de uma sucuri para que Sua Excelência pudesse ser fotografado, sorridente, a carregá-la.
Cadê a imprensa? Nosso papel não é fotografar sempre que o Departamento de Imprensa e Propaganda do Palácio abre uma photo-op; é também questionar o que está sendo feito. Alô, Ibama! Alô, promotores do Meio Ambiente! Já é permitido maltratar animais silvestres?
O caso Teddy Bear
Há muitas e muitas décadas, o presidente americano era Theodore Roosevelt, grande apreciador de aventuras e de caçadas. Certa vez, quando visitava uma região selvagem, os puxa-sacos de plantão capturaram um urso e o levaram numa jaula para que o presidente pudesse matá-lo, transformando-o em troféu de caça. Roosevelt recusou: caçar é outra coisa, não tem nada a ver com atirar a sangue-frio num animal dominado.
A equipe de propaganda de Teddy Roosevelt divulgou o fato. E algum empresário esperto, aproveitando o momento, lançou no mercado ursinhos de pelúcia, com o nome de Teddy Bear (bear, urso; Teddy, em homenagem a Theodoro Roosevelt). O sucesso perdura até hoje – o sucesso de um presidente que, mesmo gostando de caçar, não quis um troféu fraudado.
******
Jornalista, diretor da Brickmann&Associados Comunicação