O deputado Doutor Rosinha, do PT paranaense, nem precisou cofiar as barbas para dizer ao repórter João Domingos, do Estado:
‘O doutor Antonio Fernando quer apurar irregularidades dos outros, mas não apura as que apontam superfaturamento na construção da sede da Procuradoria.’
O doutor Antonio Fernando, como sabem desde ontem todos os brasileiros que consomem informação política, é o procurador-geral da República que denunciou 40 pessoas envolvidas com o que chamou ‘uma sofisticada organização criminosa’ para ‘garantir a permanência do PT no poder com a compra de suporte político de outros partidos e com o financiamento irregular de campanhas’.
Ele sustenta que o embrião do esquema chamado mensalão foi o financiamento da campanha do tucano Eduardo Azeredo ao governo de Minas, em 1998.
Acusa o ex-ministro José Dirceu de chefiar o ‘organograma delituoso’. E cita os petistas José Genoino, Delúbio Soares e Sílvio Pereira como integrantes do ‘núcleo principal da quadrilha’.
A reação de Rosinha contrasta vivamente com a do presidente do PT, Ricardo Berzoini. Suas palavras no Globo de hoje:
‘Essa denúncia é a demonstração clara de que o presidente Lula não nomeou um Brindeiro [o antecessor de Antonio Fernando no cargo, Geraldo Brindeiro, nomeado por Fernando Henrique]. Antonio Fernando emitiu a opinião dele, que respeito, ainda que discorde totalmente dele.’
Registro o contraste em louvor de Berzoini que, ao contrário de Rosinha, não tentou desqualificar o acusador para desqualificar a acusação – técnica rasteira mais velha do que andar para a frente.
Seja como for – e esse o ponto que me parece importante no exame do noticiário –, um jornal não pode pedir uma opinião, publicá-la e deixá-la por isso mesmo, indiferente ao fato de ela mencionar uma questão aparentemente grave com a qual o leitor não tem obrigação de estar familiarizado.
Mesmo com o mínimo de palavras, o Estado devia ter respondido à pergunta que decerto pipocaria de imediato na cabeça do leitor:
Que história é essa de ‘superfaturamento na construção da sede da Procuradoria’?
Ainda que para deixar claro – se fosse o caso – que o deputado não dizia coisa com coisa.
O que o Estado fez direito foi um perfilete pessoal do procurador, um cearense de Fortaleza, criado no Paraná, há 30 anos no Ministério Público Federal, que se preocupa com a limpeza de sua biografia, ‘mantém um exemplar da Constituição sobre a mesa de trabalho e a Bíblia aberta sobre uma cômoda de seu gabinete’.
Já a Folha foi a única dos três grandes jornais a dar contexto político à denúncia do procurador:
‘Antonio Fernando de Souza transformou o inquérito do mensalão em uma bandeira com a qual pretende, ao mesmo tempo, conquistar apoio interno no Ministério Público Federal e comprovar que o órgão é capaz de fazer uma investigação eficiente.’
Apoio interno porque ele ‘sofre questionamentos sobre sua atitude, considerada excessivamente discreta para o cargo’. E comprovar eficiência porque ‘o Ministério Público e a Polícia Federal discutem há pelo menos dois anos, no Supremo Tribunal Federal, se os procuradores têm ou não poder de investigação’.
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