A capa da revista IstoÉ deste fim de semana não é uma reportagem, é um portento ao escárnio. A entrevista ‘exclusiva’ com o ‘agente da CIA que prendeu Zé Dirceu’ foi publicada por mim e pelo Marcelo Rubens Paiva na capa do Caderno Mais!, da Folha de S.Paulo, de 23 de agosto de 1998.
Paiva fora procurado pela historiadora Martha Huggins, que ofereceu documentos exclusivos sobre a presença da CIA no movimento de 64. Daí, juntamos esforços e passamos pelo menos três meses fazendo a reportagem. Coube a Paiva buscar o alto clero, como Vernon Walters, e a mim achar o baixo clero, como Erwing, que era meu amigo de pelo menos 10 anos.
Nossa reportagem, mesmo tendo sido citada com vasto fôlego pelo Elio Gaspari em seu livro, agora aparece como exclusiva na IstoÉ. Esta é a grande piada de 2005, até agora. Segue a entrevista do Erwing, de 1998.
Ex-policial teve aulas com a CIA em São Paulo
O curso especial
Erwing de Barros, 54, advogado e ex-policial civil de São Paulo, contou à Folha que agentes norte-americanos se aproximaram das polícias civil e militar de São Paulo e da Guarda Civil Metropolitana às vésperas do Movimento de 1964. ‘Tivemos um curso especial na cidade ministrado por um norte-americano chamado Peter Costello. Todos nós da polícia fomos informados de que ele era um agente da CIA. Aí tive a primeira prova pessoal de que a CIA estava no Brasil para ficar’, diz Barros.
O ex-policial guarda em uma gaveta do escritório César Rodrigues, onde trabalha, no Brooklin (zona sul de São Paulo), diploma do curso ministrado pelo norte-americano que ele alega ser da CIA, emitido pela Secretaria de Segurança Pública de São Paulo e assinado, em 12 de março de 1964, pelo então secretário e coronel do Exército Adélvio Barbosa de Lemos. Segundo Barros, foram levados à Academia Militar do Barro Branco (zona norte de São Paulo) os 40 melhores homens das polícias militar, civil e da Guarda Civil de São Paulo. ‘Peter Costello, da CIA, era um senhor de uns 60 anos de idade, cabelos brancos, bem-falante, que tinha cursado a academia norte-americana no Panamá’, conta.
Entre os assuntos ministrados estavam ‘segurança de autoridades, sobre como conter grandes multidões, como se infiltrar em aparelhos e sobretudo como saber notar os mais idealistas no meio de um grupo’, ele enumera.
Barros lembra que os 40 policiais destacados para o curso passaram por vários testes antes de serem submetidos às classes – de provas físicas a exames no detetor de mentiras, aparelho que tecnicamente é chamado de polígrafo. ‘Esse foi o último exame, e o mais delicado. Queriam saber se os participantes do curso não estavam escondendo alguma ideologia comunista. Foi o exame a que mais se ativeram.’
Barros, que chegou a ser segurança particular no Brasil do estilista francês Pierre Cardin, em 1982, atravessou a década de 60 como um dos agentes especiais do Departamento Estadual de Ordem Política e Social (Deops). Ele era solicitado pela Oban para buscas e apreensões de subversivos. A imagem de Barros ganhou as páginas de todos os jornais e revistas do Brasil em 1968. Naquele ano, munido de um ancinho e um cabo de vassoura, conduziu à prisão os principais líderes da União Nacional dos Estudantes (UNE), no 30º congresso da entidade, em 1968, em Ibiúna (SP). Na episódio, mil estudantes foram presos.
‘Prendemos os líderes, José Dirceu, Luís Travassos e Vladimir Palmeira. Obtive um efeito psicológico muito forte, pois, em vez de usar armas, usei um ancinho e um cabo de vassoura. Nunca torturei, não consto de nenhuma lista de torturadores. Na hora de lavrar o flagrante eu sumi por três dias da polícia. Disse que estava doente. Ficaram loucos comigo. E ganhei a simpatia dos estudantes. Chegaram até a me mandar um bilhete, pedindo que eu me tornasse informante das esquerdas dentro da polícia. Não topei isso, da mesma forma que nunca topei torturar’, diz Barros.
As matérias do Mais!
Marcelo Rubens Paiva e Claudio Julio Tognolli
‘A companhia secreta’, copyright Mais!, Folha de S.Paulo, 23/08/98
‘Um livro a ser lançado nesta semana no Brasil traz novas revelações sobre a participação do governo dos Estados Unidos no movimento militar de 1964. Chama-se ‘Polícia e Política – Relações Estados Unidos/América Latina’ (Cortez Editora). Foi escrito pela pesquisadora Martha Huggins.
Huggins investigou, durante dez anos, detalhes da cooperação policial entre Estados Unidos e América Latina neste século. E concluiu que a Casa Branca tramou em favor do regime que vigorou no Brasil até 1985.
Graças à Lei de Liberdade de Informação dos EUA, que libera textos secretos depois de 25 anos no país, Huggins pôde ter acesso a cerca de 600 documentos. Vasculhou papéis da CIA (Agência Central de Inteligência), da AID (Agência para o Desenvolvimento Internacional), do Senado dos EUA e dos arquivos de cinco ex-presidentes norte-americanos, entre eles John Kennedy e Lyndon Johnson. A pesquisadora também ouviu autoridades norte-americanas e personagens envolvidos no aparelho repressivo brasileiro.
As informações trazidas à luz por Huggins reforçam outros fatos, já conhecidos, que indicam que os EUA não ficaram à margem dos acontecimentos à época do movimento militar: a Operação Brother Sam, frota naval norte-americana que estaria pronta para intervir no Brasil, e as ações do Ibad (Instituto Brasileiro de Ação Democrática), que financiava com dinheiro norte-americano propaganda anticomunista e campanhas de deputados contra o ex-presidente João Goulart.
Em seu livro, Huggins constata que o governo norte-americano agiu também por intermédio da OPS (Office of Public Safety – Seção de Segurança Pública), uma repartição criada em 1962 para promover intercâmbio com polícias de todo o mundo. A OPS era um setor da AID (ou Usaid), que estabelecia acordos de cooperação em várias esferas.
Entre as principais revelações de Huggins, no livro e em entrevista à Folha, estão:
1. Os EUA treinaram, em seu próprio território e no Brasil, entre 1958 e 1974, cerca de 100 mil policiais brasileiros em programas de intercâmbio. ‘Sempre que digo esse número a um brasileiro, ele fica chocado’, disse Huggins.
2. Lincoln Gordon, embaixador norte-americano no Brasil de 1961 a 1966, indicou os militares brasileiros Amerino Raposo Filho e Riograndino Kruel, dois dos criadores do DOI/Codi (Destacamento de Operações de Informações/Centro de Operações de Defesa Interna, órgãos de repressão), para fazerem um curso de inteligência militar da CIA nos EUA. A pesquisadora encontrou a informação no documento 512.070.50342 do Arquivo Nacional norte-americano.
3. Presentes ao 1º Seminário de Segurança Interna, realizado em 1969, em Brasília, agentes da OPS estimularam, segundo Huggins, a criação da Oban (Operação Bandeirantes). A Oban era um sistema centralizado de segurança, com participação de militares e civis, que tinha por objetivo combater a subversão e inspiraria em 1970 a criação do DOI/Codi.
4. Agentes norte-americanos da OPS tinham trânsito livre no submundo da repressão brasileira. Tinham acesso a informações do Dops (Departamento de Ordem Política e Social), da Oban e do DOI/Codi. Entre os documentos que manuseou nos EUA, Huggins encontrou relatórios de agentes da OPS enviados desde o Brasil.
5. Agentes da OPS ajudaram ‘discretamente’, diz Huggins, na redação da Lei Orgânica das Polícias, em 1967, que colocou as polícias militares sob o comando do Exército.
6. A estrutura da Oban foi, depois, levada pelo chefe da OPS no Brasil, o norte-americano Theodore Brown, ao Vietnã, e lá rebatizada de Projeto Phoenix. ‘A Oban foi um projeto piloto’, afirma a pesquisadora.
7. Agentes da OPS fizeram ronda, no Rio de Janeiro (RJ), com agentes brasileiros, na caça aos sequestradores do embaixador norte-americano no Brasil, Charles Elbrick, em 1969.
8. Norte-americanos treinaram e participaram de ações da elite da Polícia Civil brasileira, ‘que estava envolvida com o Esquadrão da Morte’.
9. Telegramas enviados pela OPS desde o Brasil, também obtidos por Huggins, demonstram que a repartição passou a usar a mesma nomenclatura de divisão de áreas de segurança interna que o DOI/Codi.
10. Assessores diretos da Casa Branca tinham informações sobre a tortura praticada pelos aparelhos repressivos brasileiros desde o início do regime militar, mas só reagiu a isso em 1974. ‘Se pessoas tão próximas do presidente sabiam, por que ele não saberia?’, pergunta Huggins.
11. Walt Rostow, consultor de segurança do presidente John Kennedy, defendia a violência no combate ao comunismo e afirmava que, após a consolidação do capitalismo, a violência pararia. Para Rostow, Castelo Branco havia ‘herdado de Goulart… um Congo sofisticado’. Sua frase consta de memorando do Arquivo Executivo da Casa Branca.
12. O SNI (Serviço Nacional de Informação) e o INI (Instituto Nacional de Identificação) surgiram a partir de sugestão dos norte-americanos, que ajudaram inclusive a equipá-los. Huggins diz em seu livro que o primeiro chefe do SNI, o general Golbery do Couto e Silva, ‘teve uma boa dose de ajuda da OPS e da CIA’.
13. Agentes da OPS no Rio de Janeiro orientaram policiais brasileiros a fotografar as primeiras manifestações de estudantes em 1968 como forma de intimidação.
Entrevistado pela Folha, o ex-embaixador Lincoln Gordon (leia à pág. 5-6) negou que tivesse qualquer envolvimento direto com o movimento militar, disse que a OPS e a CIA eram entidades completamente diferentes e que os EUA não poderiam ser responsabilizados por torturas praticadas por ex-membros de seus programas de intercâmbio.
O general Vernon Walters, ex-adido militar dos EUA no Brasil, declarou à Folha (leia à pág. 5-6) que nunca ouviu falar da OPS e afirmou que o Exército norte-americano ‘não tolera a tortura’. Disse também que os militares brasileiros não precisavam de ‘conselhos’ para dar golpes.
Para Charles Maechling Jr., ex-diretor do Departamento de Estado dos EUA, no entanto, o governo norte-americano, ‘especialmente Gordon’, esteve envolvido com o movimento militar. ‘Gordon foi enviado ao Brasil para encorajar o golpe’, afirmou (leia à pág. 5-6). ‘Nós, da Casa Branca, fomos negligentes com a América Latina… Modernizamos a polícia da América Latina, que se tornou mais eficiente na defesa de ditadores’.
Um oficial do Exército brasileiro e um ex-policial do Dops declararam à Folha que agentes norte-americanos circulavam pelo aparelho repressivo brasileiro (leia à pág. 5-7).
Segundo o general Hélio Ibiapina, hoje presidente do Clube Militar do Rio de Janeiro, um agente brasileiro da CIA costumava lhe reportar suas atividades, e a agência norte-americana estava infiltrada no Ibad (ligado ao regime militar). Também atuava no movimento sindical e no Partido Comunista Brasileiro (PCB).
O ex-policial civil e agente do Dops Erwing de Barros contou ter participado de um curso ministrado pela CIA em 1964, em São Paulo. ‘Foi no curso que descobri que a CIA estava no Brasil para ficar’, disse.
Para o ex-secretário de Segurança Pública de São Paulo, o coronel e deputado estadual (PPB-SP) Erasmo Dias, havia agentes da CIA no Brasil, mas ‘é uma besteira’ achar que eles atuavam na polícia.’
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‘Gordon foi enviado para encorajar o golpe’, copyright Mais!, Folha de S.Paulo, 23/08/98
‘Charles Maechling Jr. foi diretor do Departamento de Estado para a Defesa Interna dos Estados Unidos e chefe do Grupo Especial de Contra-Insurreição, órgão de nível ministerial na administração do presidente norte-americano John Kennedy.
Com acesso livre à Casa Branca, Maechling era um dos consultores mais requisitados pela Presidência.
Durante o governo Kennedy (1961-1963) e Lyndon Johnson (1963-1969), Maechling e o governo norte-americano estavam com os olhos especialmente voltados para o Brasil, país considerado estratégico e de grande risco.
Maechling e Bob Kennedy, um anticomunista ferrenho, estavam juntos na criação da OPS, que treinou membros da polícia brasileira.
Segundo ele, o treinamento de policiais latino-americanos teve efeitos negativos: ‘Modernizou a polícia da América Latina e a tornou muito mais eficiente para servir a ditadores militares como nunca acontecera antes’.
Na entrevista a seguir, feita por telefone do Canadá, onde passava férias, Maechling afirmou ainda que o embaixador Lincoln Gordon ‘foi enviado ao Brasil para encorajar o golpe’.
Folha – Por que foi criado o programa de treinamento de policiais brasileiros patrocinado pela OPS?
Charles Maechling Jr. – Estamos falando do tempo da Guerra Fria. A idéia era reviver o antigo programa de assistência do AID (ou Usaid, Agência para o Desenvolvimento Internacional), que teve efeito por um longo tempo. A idéia original, proposta por mim durante a administração Kennedy, e depois Johnson, era baseada na idéia de enviar policiais para outros países e criar conselheiros.
Folha – Quais países?
Maechling – Todos. Não muito na Ásia, mas bastante na África e nos países latino-americanos. Queríamos ajudar no treinamento de policiais. Foi um programa muito grande. Bob Kennedy estava particularmente envolvido. Foi dele a idéia do programa. Mas foi um programa malsucedido, sem pessoas com conhecimento de outras línguas.
Folha – Quem eram os instrutores?
Maechling – Você tem que entender que a polícia local dos Estados Unidos é descentralizada. Os chefes de polícia têm programas de aposentadoria precoce. Contrataram às pressas esses policiais e especialistas técnicos para ensinar controle de multidão, comando, operação de rádios, carros, equipamentos eletrônicos etc. no intento de profissionalizar as polícias.
Folha – Havia membros da CIA?
Maechling – Foi um programa aberto. Deve ter havido alguns agentes da CIA conectados. O que a CIA fez ou estava qualificada a fazer, eu não sei. Sei que eles tinham treinamento de línguas.
Folha – Houve uma deturpação no papel desse programa?
Maechling – O que sei é que o efeito do programa, especialmente na América do Sul e Central, o equipamento, os rádios e os veículos foram usados com propósitos políticos, como instrumento de repressão.
Folha – Qual o papel do Departamento de Estado norte-americano no movimento militar de 64?
Maechling – No Brasil, tínhamos um embaixador lá, Lincoln Gordon, que estava bastante envolvido com o golpe militar que depôs o presidente João Goulart. Não sou exatamente da CIA, mas a CIA se reportava a nós. As coisas que sabemos vinham da CIA. Pode-se dizer que tínhamos os olhos vendados.
Folha – A Casa Branca esteve envolvida com o movimento militar de 64?
Maechling – Claro que esteve. O golpe foi encorajado pelo nosso embaixador Gordon. Bob Kennedy, como procurador-geral, estava envolvido _assim como a maioria das pessoas_ com a guerra nuclear, a China, os mísseis, e houve negligência quanto à América Latina. Nixon foi quem mais fez esforços para o envolvimento dos EUA em golpes e foi quem encorajou o golpe do Chile.
Folha – Temos o testemunho de um ex-agente do Dops que afirma ter recebido um curso da CIA, no Brasil, um mês antes do movimento militar. Isso era orientação da Casa Branca?
Maechling – Eu não questiono isso. O governo americano estava envolvido, particularmente o embaixador Gordon. Normalmente, nossos embaixadores não se envolvem nesse tipo de atividade. Gordon foi escolhido por Lyndon Johnson por suas habilidades políticas, e não diplomáticas. Gordon sabe que a CIA estava no Brasil.
Folha – Qual era o envolvimento da OPS com a CIA?
Maechling – A OPS não estava envolvida com a CIA. Era parte da AID. As pessoas que foram enviadas para a OPS tinham arquivos pessoais oficiais. Havia uma conexão com a CIA. O primeiro chefe da OPS, Byron Engle, foi da CIA. Havia muitos agentes no programa que foram da CIA. Mas a CIA tem seu próprio pessoal. Existia a parte secreta, claro que existia, mas não era tão grande.
Folha – Existia envolvimento da OPS com a tortura?
Maechling – A polícia dos EUA não pode ensinar nada de tortura aos policiais da América Latina. Bob Kennedy inaugurou a academia de polícia e fez discursos. Eram cursos de seis semanas. Não havia nada, no currículo, quanto à tortura. Mas os efeitos dos cursos não foram bons.
Folha – Por quê?
Maechling – Porque modernizou a polícia da América Latina e a tornou muito mais eficiente para servir a ditadores militares como nunca antes.
Folha – Don Mitrione (controvertido agente norte-americano morto em 1971 pelos Tupamaros, organização de esquerda do Uruguai, sob a acusação de ensinar métodos de tortura a policiais brasileiros e uruguaios) foi agente da OPS?
Maechling – Não sei muito da fase brasileira de Mitrione. Sei das alegações contra ele no período em que esteve no Uruguai. Ele era parte das relações públicas da OPS. Mas não existem documentos sobre ele.’
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‘Ex-adido militar diz que EUA não precisavam ensinar brasileiros a dar golpes’, copyright Mais!, Folha de S.Paulo, 23/08/98
‘‘Os americanos não têm experiência em golpes militares. Seria ridículo eu procurar generais brasileiros para dar um golpe, quando eles tinham derrotado o Getúlio Vargas. Eles não precisavam dos meus conselhos’, afirma o general Vernon Walters, que foi adido militar da embaixada norte-americana durante o período militar no Brasil.
Veterano da Segunda Guerra e amigo de Castelo Branco, Walters era considerado um especialista em combater o comunismo. Ele trabalhou no Brasil entre 1962 e 1967. Também foi adido militar do Chile, pouco antes da queda de Allende, em 1973. Chegou ao posto de vice-diretor da CIA durante a administração Richard Nixon (1969-1974), presidente norte-americano que renunciou após o escândalo Watergate.
Considerado pelo historiador Moniz Bandeira como o coordenador das ações da CIA no Brasil, Vernon Walters afirmou na entrevista a seguir, feita por telefone de sua residência em Washington, que não sabe o que é a OPS e que não teve relações com a CIA quando era adido militar no país. Segundo ele, a CIA fazia no Brasil à época o mesmo que o SNI nos Estados Unidos: ‘Procurava saber coisas interessantes sobre o país’.
Folha – Como foi sua participação no movimento militar de 64?
Vernon Walters – Seu jornal sempre diz que eu estava envolvido, mas não estava. Os telegramas que enviei do Brasil para os Estados Unidos estão disponíveis nos arquivos. Desafio a imprensa a achar uma mensagem que prove a minha intervenção. Eu era apenas uma testemunha bem informada.
Folha – Qual era o seu papel na embaixada?
Walters – Era um coronel americano sem experiência em golpes, se comparado com generais brasileiros, que tinham derrotado dois presidentes em 25 anos.
Folha – Como a CIA operava no Brasil?
Walters – Naquela época, eu não era da CIA. Só depois, em 1972, que vim a trabalhar na agência.
Folha – Quando estava no Brasil, o sr. tinha algum contato com a CIA?
Walters – Não.
Folha – O coronel Erasmo Dias nos informou que todos os adidos militares que estiveram no Brasil eram da CIA.
Walters – Os oficiais militares não eram, nem nunca são.
Folha – O que a CIA fazia no Brasil?
Walters – Fazia o mesmo que o SNI fazia aqui, nos Estados Unidos, procurava saber coisas interessantes sobre o país.
Folha – O sr. chegou a influenciar nas decisões dos militares brasileiros?
Walters – Que eu saiba, não. Nunca procurei influir na decisão dos militares brasileiros. Eram perfeitamente capazes de tomar suas próprias decisões.
Folha – Onde a CIA tinha escritórios no Brasil?
Walters – Não sei. Ela não me dizia. Tive contato de vez em quando, nas reuniões da embaixada, com o chefe da seção.
Folha – Qual sua relação com o Ibad (Instituto Brasileiro de Ação Democrática)?
Walters – Não sei o que é. Minha função era militar. Minhas conexões eram militares, não policiais. O que o senhor quer saber, afinal? Naturalmente, eu informava sobre o estado de espírito dos militares. Era o meu dever como adido militar.
Folha – Por que seu nome está sempre associado ao movimento militar de 64?
Walters – Não sei. Tudo é sempre culpa dos americanos. Os americanos não têm experiência em golpes militares. Seria ridículo eu procurar generais brasileiros para dar um golpe, quando eles tinham derrotado o Getúlio (Vargas, em 1945). Eles não precisavam dos meus conselhos.
Folha – O sr. conhece a OPS?
Vernon – Nunca ouvi falar.
Folha – Era um programa de intercâmbio para treinar policiais do mundo inteiro.
Walters – Era um vasto projeto.
Folha – O sr. conheceu Theodore Brown (chefe da OPS no Brasil)?
Walters – Não. O senhor está tentando pescar informações para ver se descobre algo. Nunca participei de planejamento ou de investigação ligados ao Brasil. O senhor está com uma montanha de informações antiamericanas e está procurando confirmar comigo.’
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‘‘É uma bobagem’’, copyright Mais!, Folha de S.Paulo, 23/08/98
‘‘Dizer que os norte-americanos tinham agentes na polícia e no Exército é uma bobagem’, afirma o deputado estadual (PPS-SP) e coronel do Exército Erasmo Dias.
Secretário de Segurança Pública de São Paulo de 1974 a 1979, Dias se notabilizou como um dos mais ferrenhos oponentes das esquerdas e do movimento estudantil. Para ele, dizer que a CIA atuava ostensivamente no Brasil é ‘dar um atestado de burrice’. Dias, no entanto, declarou que todo oficial que servia na embaixada norte-americana era ligado à CIA. Afirmou também que recebeu um fuzil AR-15 de presente de um agente da CIA.
Ao ler um dos relatórios enviados pela OPS do Brasil para os EUA, citado por Martha Huggins e que indica que o agente Lauren Mullins tivera acesso a informações internas da polícia de São Paulo, Dias contestou: ‘Isso aqui é uma besteira’.
Folha- O sr. poderia comentar o relatório feito pelo agente da OPS Lauren Mullins, comunicando a Washington atividades da polícia em São Paulo?
Erasmo Dias – Nunca ouvi falar nesse agente. É uma mentira o que ele diz aqui: que, em São Paulo, o prefeito Faria Lima efetivou uma Guarda Municipal com recrutamento inicial de mil pessoas… É de um analfabetismo crucial. Ele fala em uso de computador… Que computador? Não havia. É uma xaropada.
Folha – O agente parece ter tido acesso a informações da Secretaria de Segurança Pública.
Dias – Ele diz que se encontrou com um secretário de Segurança Pública de São Paulo em março de 1969, mas nunca ouvi falar nesse agente. Pelo relatório dá para ver que ele não sabia de nada. Os norte-americanos eram mal informados, e esse relatório não representa nem um quinto do que se conhecia na época.
Folha – As autoridades brasileiras abriram as portas para agentes norte-americanos?
Dias – Lógico. Outro dia o xerife de Nova York veio aqui e eu o levei aos pontos de crack e ao diabo que o carregue… Mas, naquela época, quando eu estava no Exército, nunca fui procurado por norte-americanos. Como secretário da Segurança Pública de São Paulo, sim. Mandei cinco ou seis delegados para fazer cursos na Swat, nos EUA. Mandei também oficiais para Tóquio. Ganhei um fuzil AR-15 da CIA.
Folha – A Oban teve envolvimento de norte-americanos?
Erasmo Dias – A Oban surgiu com o AI-5. Quando apareceu a guerrilha da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária) e da ALN (Ação Libertadora Nacional), o troço todo começou a engrossar. A segurança interna do Exército não tinha nada, só centros de informações. Ninguém estava preparado para a guerrilha. Então, formamos aqui em São Paulo a Segunda Seção do Estado-Maior do Segundo Exército. Surgiram uma seção de informações e outra de operações, que iriam combater esses movimentos novos. Foi tudo improvisado. Pegamos uma equipe da Polícia Civil, que era do Dops, uma da Polícia Militar, sempre gente ligada à informação. Não tinha nada a ver com CIA. Dizer que tinha é um atestado de incapacidade.
Folha – O livro mostra que a estrutura da Oban foi copiada depois no Projeto Phoenix, adotado no Vietnã. O criador do Projeto Phoenix, Theodore Brown, veio para o Brasil quando se criou a Oban.
Dias – Vou fazer uma pergunta de advogado do diabo. Vocês acham que, se existisse toda essa estrutura montada com ajuda dos norte-americanos, nós teríamos tanta dificuldade para combater? Os guerrilheiros tinham curso em Cuba, mas aqui não tinha americano nenhum.
Folha – E a CIA?
Dias – Olha, Vernon Walters era amigo do Brasil. Mas uma coisa é certa: todo mundo que serve na embaixada é ligado à CIA, sem exceção. Antes de vir, eles passam um período na agência. Na época, eles tinham um especial desvelo pelo Brasil.
Folha – E Charles Chandler, capitão norte-americano morto em São Paulo em 1968 por guerrilheiros brasileiros, ele era da CIA?
Dias – Era do consulado, mas eu já disse: todos esses camaradas eram. O Chandler nos ajudava. A CIA aproveita muito essa gente.’
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‘General diz que teve contato com informante da agência’, copyright Mais!, Folha de S.Paulo, 23/08/98
‘Presidente do Clube Militar do Rio de Janeiro, o general Hélio Ibiapina, 81, revelou ter mantido contato com um informante brasileiro da CIA no país e que um cônsul ligado à agência de informações o interpelou sobre a soltura de um preso. ‘Eu disse a ele: `O que o sr. tem a ver com isso?´‘, contou à Folha.
Hélio Ibiapina é natural de Fortaleza (CE). Entrou no Colégio Militar aos 12 anos e na Escola Militar aos 19. Virou general em 31 de março de 1975. Foi para a reserva em maio de 1979. Formou-se em fevereiro de 1966, em inteligência militar, na Escola das Américas, no Panamá. ‘Nunca nos deram aulas de terrorismo’, disse.
Amigo pessoal do ex-presidente Humberto de Alencar Castelo Branco, recebeu a Folha em seu apartamento, no Rio de Janeiro (RJ). Conversou com a Folha após colocar seu próprio gravador ao lado de uma mesa em que se via quase uma centena de medalhas militares.
Folha – O que sr. sabe da presença norte-americana no Brasil?
Hélio Ibiapina – Precisamos primeiro situar isso no tempo. Acompanhei o assunto de 1963 a 1966. Não posso falar do DOI/Codi e da Oban, porque não estava ligado de maneira nenhuma a esse problema. Mas, em 1963, por exemplo, quando o Ibad apareceu em Pernambuco e na Paraíba, tinha alguma ligação com os norte-americanos e com a CIA, sem dúvida nenhuma. Eu fui até encarregado pelo Castelo Branco, que era o comandante do Quarto Exército, de verificar isso. Procurei o Ibad para saber como ele agia e cheguei à conclusão de que realmente era ligado à CIA.
Folha – Como reagiu Castelo Branco?
Ibiapina – Ele tinha medo dessas coisas, achava que polarizar os EUA com os comunistas poderia transformar o Brasil num Vietnã. O Castelo mandou fechar o Ibad (Instituto Brasileiro de Ação Democrática).
Folha – Como o sr. descobriu isso?
Ibiapina – Pela minha experiência e cursos em informação. Eu encontrei, por exemplo, um agente da CIA que era metalúrgico de São Paulo, contratado para verificar a ação sindical no Brasil. Apesar de ser da CIA, e como era brasileiro, ele não quis dar as informações à CIA sem dar conhecimento a alguém da segurança no Brasil. Ele relatava sistematicamente para os Estados Unidos o que estava acontecendo por aqui, mas me transferia os relatórios. Eu sabia tudo que ele relatava e, em consequência, o Exército tomava conhecimento de todas as atividades do Partido Comunista no Brasil.
Folha – Havia norte-americanos interferindo em assuntos brasileiros?
Ibiapina – Elementos do consulado dos EUA às vezes me procuravam, porque eu era do sistema de segurança do Exército, para saber o que acontecia. Um cônsul, não me lembro o nome dele, me procurou para saber se era verdade que eu havia permitido que um preso fosse visitar a mãe que estava doente. Ele queria saber se eu o havia deixado sair sem guardas de Fernando de Noronha. Eu disse: ‘O que o senhor tem a ver com isso?’. Perguntei, sabendo que ele tinha aquilo que chamávamos de ‘posição resguardante’ da posição verdadeira dele no país. Eu já sabia que ele era um dos agentes da CIA.
Folha – O que o senhor fez na Escola das Américas?
Ibiapina – Em 1965, fui escalado para fazer o curso na Escola das Américas, no Panamá. Não tinha polícia lá, só Forças Armadas. Não ensinavam a matar gente. Aliás, nesse aspecto, era uma escola muito fraca. Eles acreditavam muito no informante pago, duplo. E o informante duplo não serve para a segurança… Veja o paulista da CIA, nós não pagávamos nada, e ele nos informava.
Folha – A escola estava voltada para o chamado ‘perigo comunista’?
Ibiapina – A escola era justamente para evitar a ação comunista. Mas, para mim, não serviu de nada. Aquelas aulas eram para quem não tinha curso de Estado-Maior, como eu tinha. A missão complementar que me deram era estudar a Escola das Américas e ver quais os cursos que interessavam ao Brasil.
Folha – Por exemplo?
Ibiapina – Por exemplo, não interessava ao Brasil o curso de ‘rangers’, que servia para verdadeiros Rambos. No tempo do governo Costa e Silva, eu fiz meu relatório sobre a escola. A escola devia ter a mão da CIA, mas meus instrutores eram militares. Usavam como professores muitos elementos que haviam lutado no Vietnã e elementos da Segunda Guerra Mundial.
Folha – Falava-se em tortura?
Ibiapina – Eles recomendavam muito cuidadosamente na escola que não se batesse nos presos para não invalidar o inquérito. Nunca nos deram aula de terrorismo, mas nos ensinavam como seguir gente na rua. Era saber seguir sem ser notado. Também tínhamos instruções sobre como interrogar e como agir num teatro de operações, depois de uma explosão atômica. Mas todos os temas eram feitos em cima da figura de comandantes russos. Não tive instrutores da CIA, mas nos EUA as agências millitares são dirigidas pela CIA.’
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Jornalista