Hoje sábado, os jornais mais influentes trazem reportagens e deitam editoriais sobre as eleições legislativas da Venezuela, que acontecem amanhã. O autoritarismo de Chávez surge nos textos de opinião como um bálsamo que alivia e justifica a decisão dos partidos de oposição de boicotar as urnas. Com bem menor relevo – inversamente proporcional ao noticiário europeu e norte-americano – apenas um dos grandes jornais dedica reportagem à aprovação das condições eleitorais por observadores da União Européia e da OEA (Organização dos Estados Americanos), que estão no país para monitorar a votação.
O autoritarismo de Chávez tem sido realçado pelo controle sobre os meios de comunicação previstos na Lei de Responsabilidade Social que ele conseguiu aprovar no Congresso. A assertiva das empresas de mídia brasileiras é a de que Chávez agride a liberdade de imprensa e de expressão.
O site do jornal El Nacional, de Gustavo Cisneros, associado à Editora Abril e à AOLA (America On Line Latin America), traz que o meios de informação estão sendo ‘monitorados em sessão permanente’ pelo governo. A reportagem ‘Direção da Conatel está em sessão permanente para monitorar os meios de informação’ informa sobre o encontro dos principais executivos das redes de televisão, inclusive a estatal, com o gerente-geral da Comissão Nacional de Telecomunicações, Franco Silva. O propósito do encontro, reproduz o jornal de Caracas, segundo Silva, ‘é ratificar a garantia da liberdade de informação, assim como a proibição à censura e de restrição às mensagens que incitem à violência ou ao delito’.
O vice-presidente do Grupo Cisneros, Carlos Bardasano, saiu do encontro dizendo que o governo ‘insistiu para que a produção do noticiário não incite ao delito, à guerra ou à violência’. Alberto Federico Ravell, diretor-geral da Globovisión, comparece com mais peso na reportagem ‘Governo pede aos meios de informação que propiciem a participação’, do outro grande jornal do país, o El Universal. Ele saiu do encontro definindo-o como ‘cordial’, e garantiu que ‘a postura de todos os canais de televisão venezuelanos é institucional e não titubeará em cumprir nosso dever com a cidadania. Transmitimos as notícias; não matem o mensageiro’.
Blanca Eekhout, presidente da estatal Venezuela de Televisión, destoa dos demais, segundo a reportagem do El Universal. Ela lamenta que ‘seus colegas do setor privado não tenham assumido a mesma postura de equilíbrio, abertura e possibilidade de diálogo’ do canal do governo, e arremata: ‘As empresas privadas controlam 95% do sistema eletrônico de comunicações, e elas têm tido uma posição política, quase partidária, em muitas ocasiões’.
Outra informação importante do El Universal, que igualmente não está sendo realçada pelos jornais brasileiros, é o da participação numérica dos candidatos da oposição que desistiram de participar das eleições. Diz o jornal: ‘322 candidatos da oposição retiraram suas candidaturas, o que representa 5,8% do total de inscritos para a disputa (5.516) e nenhuma organização política solicitou a substituição dos desistentes, de acordo com o boletim divulgado pelo presidente do Conselho Nacional Eleitoral, Jorge Rodríguez’.
Esse breve painel serve como comparativo para o que trazem os jornais brasileiros de hoje. Os trechos grifados indicam possíveis distorções e manipulações:
Folha de S.Paulo
Principal reduto anti-Chávez adere a boicote
O boicote às eleições parlamentares de amanhã chegou ao principal reduto da oposição, o populoso e rico Estado de Zulia, no oeste da Venezuela. A decisão foi anunciada pelo governador Manuel Rosales (UNT, União Nacional dos Trabalhadores) após mais uma negativa do Conselho Nacional Eleitoral (CNE) de adiar o pleito, como exige a oposição.
A decisão é uma vitória dos líderes oposicionistas que convocaram o boicote. As pesquisas davam uma ligeira vantagem aos oposicionistas em Zulia, em contraste com o restante do país, e por isso os candidatos locais resistiam em aderir ao boicote’.
‘Zulia concentra quase toda a indústria petroleira venezuelana e é um dos dois Estados controlados pela oposição de um total de 24 (incluindo a zona metropolitana de Caracas)’.
Apesar do movimento crescente da oposição, o CNE informou ontem à tarde que, dos 5.516 candidatos inscritos, apenas 5% teriam renunciado -ou seja, 322 pessoas, segundo a agência estatal ABN’.
Reportagem 2
Governo acusa TVs privadas de ‘golpe midiático’
Diretores de meios de comunicação estatais venezuelanos acusaram emissoras de rádio e TV privadas de arquitetar um ‘golpe midiático’ para as eleições legislativas de amanhã por meio de mensagens ‘conspiratórias’ contra o governo do presidente Hugo Chávez. O canal de TV privado Globovisión negou a acusação e contra-atacou, exigindo a ‘vigilância dos meios públicos’.
‘Há muitíssima preocupação sobre o comportamento de algumas rádios e TVs. Buscam um golpe midiático por meio de um golpe eleitoral’, disse a diretora da estatal Rádio Nacional da Venezuela (RNV), Helena Salcedo. Andrés Izarra, presidente da TV Telesur, pediu o monitoramente ‘do espaço radioelétrico por parte das emissoras de TV e de rádio que preparam uma campanha contra a democracia’.
Jornal do Brasil
Chávez diante de ´derrota moral´
Às vésperas da eleição legislativa de amanhã, o presidente venezuelano, Hugo Chávez, acusou os Estados Unidos de ativarem um golpe eleitoral ´´incluindo magnicídio´` (assassinato de um líder ou chefe de Estado) no país, devido ao abandono por parte de quatro partidos de oposição do pleito que vai renovar as 167 cadeiras da Assembléia Nacional. A falta de representação oposicionista fortalece a campanha pela abstenção nas urnas, comandada pela ONG Súmate.(…)
Até ontem, 322 dos 5.513 candidatos inscritos haviam abandonado a corrida à Assembléia Nacional. Ao que tudo indica, o governo Chávez vai manter a maioria na Casa, mas a estimada abstenção se converterá em uma derrota moral. Antes da desistência da oposição, pesquisas apontavam entre 55% e 71% de eleitores faltosos – número bem maior do que o pleito parlamentar de julho de 2000, que contou 47% de abstenção. Agora, alguns setores anti-Chávez acreditam que o não-comparecimento às urnas pode chegar a 80%’.
O Estado de S.Paulo
Oposição acusada de armar atentado
Bomba foi encontrada em Caracas. Governo de Hugo Chávez diz que o objetivo era sabotar as eleições legislativas de amanhã
Lourival Sant´Anna Enviado especial Caracas
O vice-ministro da Segurança e da Cidadania, Jesús Villegas, acusou ontem a oposição de envolvimento numa tentativa de atentado a bomba em Caracas. O explosivo, encontrado numa ponte de acesso à Universidade Central da Venezuela, estava embalado num papel com a inscrição ‘Fora CNE’, sigla do Conselho Nacional Eleitoral, responsável pela realização das eleições de amanhã para a Assembléia Nacional.
‘Provavelmente isso vem das mesmas pessoas que estão tentando sabotar o direito legítimo dos cidadãos de votar’, especulou Villegas. Quatro dos principais partidos de oposição decidiram nos últimos dias boicotar as eleições, alegando que o sistema de votação eletrônica está sujeito a fraudes.
Reportagem 2
Peritos estrangeiros aprovam urnas
Observadores expressam confiança no sistema de votação da Venezuela; apenas 322 dos 5.513 candidatos inscritos aderiram ao boicote
As urnas eletrônicas importadas dos EUA imprimem comprovantes, 45% dos quais o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) contará manualmente, gerando uma amostra para comparar com o resultado das urnas eletrônicas. O Súmate convocou os cidadãos a comparecer a igrejas e templos – já que as aglomerações estarão proibidas em outros locais – por volta do meio-dia de domingo, para protestar contra a suposta fraude nas eleições.
Em termos numéricos, a saída dos principais partidos de oposição é pouco expressiva. O presidente do CNE, Jorge Rodríguez, informou ontem que 322 candidatos desistiram formalmente de participar das eleições, de um total de 5.513. Segundo as pesquisas, a oposição tinha chances de eleger no máximo 17 deputados, de um total de 167. A oposição afirma que as máquinas americanas, fabricadas pela Smartmatic, guardam na memória a ordem de votação, possibilitando a violação do sigilo. Além disso, segundo os oposicionistas, seria possível fraudar os resultados. O CNE nega categoricamente. De acordo com o órgão, o sistema é inviolável, a ordem dos votos é embaralhada na sua memória e é possível, em caso de dúvidas, auditar 100% da contagem, graças aos comprovantes impressos de votação.
Os observadores internacionais da Organização dos Estados Americanos e da União Européia têm manifestado confiança no sistema venezuelano.
‘Creio que os esforços feitos na Venezuela superam o que tem sido feito noutros países’, disse ontem o observador espanhol Asier Martínez. ‘As garantias são mais que suficientes.’
Para o uruguaio Wilfredo Penco, não cabe aos observadores internacionais entrar na polêmica sobre se a oposição deve ou não boicotar as eleições. ‘Mas, do ponto de vista institucional, apoiamos totalmente o processo eleitoral venezuelano, temos plena confiança nos procedimentos.’ Penco lamentou que os oposicionistas e representantes de meios de comunicação privados não tenham aceitado o convite para participar de uma reunião para discutir o processo eleitoral.
Já o observador equatoriano Nicanor Moscoso atestou que ‘não havia nenhuma possibilidade de comunicação’ entre o mecanismo de reconhecimento das digitais do eleitor e a máquina de votação. Essa foi uma das alegações da oposição. O CNE atendeu à exigência de eliminar a ligação entre o leitor das digitais e as máquinas, e mesmo assim a oposição se retirou das eleições.
Reportagem 3
Entrevista com o cientista político Carlos Romero
´Foi um erro a oposição se retirar´
Num país polarizado, marcado pela hostilidade dos intelectuais em relação a Hugo Chávez, o cientista político Carlos Romero, além de analista arguto, tem a rara qualidade da isenção. Em entrevista ao Estado, Romero, de 52 anos, professor da Universidade Central da Venezuela, avalia que o país pode estar ingressando num regime de partido único. A partir do ano que vem, acredita Romero, a oposição deverá ser exercida nas ruas e nos meios de comunicação, uma vez que será praticamente excluída da Assembléia Nacional, na eleição de amanhã.
‘A oposição está indiferente, muito pessimista’, diz. ‘Não crê mais em seus dirigentes.’ Para Romero, ‘Chávez tem controle total’ sobre o país. Ele acha que o que se está implantando na Venezuela não é um sistema parecido com o cubano, mas uma política populista.
(…)
O Globo
Venezuela: boicote abaixo do previsto
Apesar de quatro partidos de oposição terem decidido boicotar as eleições legislativas de amanhã na Venezuela, até ontem somente 78 dos 4.056 candidatos haviam retirado suas candidaturas, segundo o Defensor do Povo, Germán Mundaráin. Os números são contestados pela oposição, que ameaça retirar também seus fiscais das mesas de apuração.
Esta semana os partidos Ação Democrática, Copei, Projeto Venezuela e Primeiro Justiça — que juntos têm 41 cadeiras na Assembléia Nacional — anunciaram que se retirariam das eleições que vão escolher os novos 167 deputados, alegando irregularidades no pleito.
Henry Ramos, secretário-geral da Ação Democrática (principal força de oposição), contestou ontem os números do governo. Ele afirmou que os principais candidatos de seu partido já haviam renunciado e reiterou que as renúncias continuariam hoje. Disse ainda que seu partido retirará os fiscais das mesas de apuração, mas vigiará o comparecimento às seções eleitorais. Com a decisão, os quatro partidos rompem um compromisso assumido com a Organização dos Estados Americanos e com a União Européia de participarem das eleições.
O governo acusa os EUA de estarem por trás do boicote, dizendo ser uma tentativa de criar ‘um vazio eleitoral’ para contestar a legitimidade do novo Congresso. Por outro lado, o governo tem hoje 54% das cadeiras na Assembléia Nacional. Uma retirada da oposição abriria espaço para que políticos que apóiam o presidente Hugo Chávez consigam os dois terços das cadeiras necessários para aprovar reformas contitucionais.
— Não vou acusar os cães, mas o amo dos cães; o governo dos EUA — disse Chávez.
A embaixada americana em Caracas disse que o governo venezuelano fazia acusações infundadas.
As eleições de amanhã estão ainda ameaçadas pela abstenção dos eleitores, que chegou a 43,95% no pleito de 2000.