O novo ataque do presidente da República aos jornais que qualificou de ‘tablóides’, feito durante solenidade em Brasília [ver abaixo], provocou editoriais, artigos, declarações e pouca ou nenhuma contribuição para evitar o desastre que se avizinha: um provável rompimento entre o Executivo e a imprensa.
O presidente Lula da Silva se queixa freqüentemente, e voltou a fazê-lo na solenidade de quarta-feira (24/3), de que a imprensa, ou parte dela, tem grande predileção pela desgraça. E de que cobre os atos do governo federal com má-fé. Citou, como exemplo, o que considera mau jornalismo: o governo constrói duas mil casas, nada sai nos jornais, mas se desaba um barraco, noticia-se que caiu uma casa.
Os jornais usam o discurso do presidente para reafirmar que ele sofre de ‘devaneio autocrático’, conforme o editorial da Folha de S.Paulo (25/3), e que não tolera receber críticas. O presidente claramente demonstra exagerada necessidade de aprovação por parte da imprensa, suas alianças políticas são fonte permanente de más notícias, mas a afirmação do editorial carece de maior fundamento.
A Folha chega a publicar uma lista de entreveros de Lula com jornalistas, ou de declarações, que, segundo o jornal, descrevem sua relação conflituosa com a imprensa.
São apenas sete ocorrências em seis anos e os exemplos escolhidos não refletem necessariamente um estado de conflito permanente, mas um rol de episódios que poderiam ser considerados corriqueiros na vida de qualquer governante.
Censura e controle
A situação pode remeter ao período vivido pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em seu segundo mandato. A imprensa cobrava obcecadamente mudanças na economia, principalmente na política cambial. Quando finalmente o governo, após a reeleição do então presidente, desvalorizou o real, as críticas se renovaram, desta vez pelo motivo oposto, e o Brasil passou meses assombrado por avisos de retomada da inflação, alimentados pelos jornais.
No mesmo período, o voluntarismo de alguns repórteres, com base em vazamentos de inquéritos promovidos por representantes do Ministério Público, criou um inferno de acusações contra o então secretário-geral da Presidência, Eduardo Jorge Caldas Pereira.
Desde 2006, Eduardo Jorge vem colecionando uma série de vitórias na Justiça contra seus detratores.
É papel da imprensa fiscalizar o poder público – todos os poderes –, desconfiar em princípio de negócios envolvendo governos – todos os governos –, fazer as perguntas que ninguém quer ouvir. E cobrar as respostas.
Mas esse espírito precisa estar impregnado no fazer jornalístico, e deve ser praticado naturalmente em todas as relações da mídia com as instituições.
O risco da relação conflituosa entre governantes e a imprensa é o estabelecimento de um estado permanente de guerra, que certamente deprecia a imprensa e municia aqueles que, em qualquer instituição pública ou partido político, alimentem sonhos de controle do jornalismo.
Como a política nacional tem mais visibilidade, escapa aos observadores o fato de que também nos Estados há constantes problemas de relacionamento. Há governadores se queixando de má vontade ou partidarismo por parte dos jornais. E há partidos oposicionistas denunciando a adesão total da imprensa a governos locais.
Os jornais sempre reagem denunciando ameaças de censura.
Mas, atenção: é preciso atentar para a abissal diferença que existe entre a censura institucional à imprensa e o controle social dos meios de comunicação. Apesar dos esperneios de dirigentes de empresas jornalísticas, a liberdade da imprensa não corre o menor risco no Brasil.
Guerra declarada
O risco maior para a imprensa vem da própria imprensa, quando os jornais se associam para agir como um partido político. E quem faz essa revelação é a própria presidente da Associação Nacional dos Jornais (ANJ), Maria Judith Brito, conforme já apontado neste Observatório: em encontro realizado em São Paulo, a presidente da ANJ declarou textualmente, segundo O Globo: ‘A liberdade de imprensa é um bem maior que não deve ser limitado. A esse direito geral, o contraponto é sempre a questão da responsabilidade dos meios de comunicação’, acrescentou – e até aí tudo bem. Mas ela continuou:
‘E, obviamente, esses meios de comunicação estão fazendo de fato a posição oposicionista deste país, já que a oposição está profundamente fragilizada. E esse papel de oposição, de investigação, sem dúvida nenhuma incomoda sobremaneira o governo.’
Intrinsecamente contraditória, a declaração estabelece a ruptura, afeta a credibilidade da imprensa e traz insegurança a todos os governantes, pois tal afirmativa serve também aos governos estaduais e dos municípios onde a oposição estiver fragilizada. Tal distorção – imprensa declaradamente partidária – independe de quem está no poder, uma vez que os jornais se assumem publicamente como partido político.
Quando a imprensa abandona seu eixo, todos saem perdendo. Principalmente a imprensa.