Dois editoriais (no Estado e na Folha), uma reportagem (no Globo) e dois textos do colunista Merval Pereira (também no Globo) foi o que a grande imprensa deu no fim da semana sobre a reforma política, no espaço que lhe deixaram as notícias e comentários sobre a crise da corrupção.
Nenhum desses textos, nem outros que os antecederam, chamou a atenção do leitor para uma questão essencial: todos os sistemas políticos, eleitorais e partidários, sem exclusão do atual e do que poderá resultar do projeto a caminho do plenário da Câmara, são cobertores curtos.
Justamente por terem essas regras os defeitos de suas qualidades, ou vice-versa, é que tanto se pode defender reforma alguma, como ampla reforma – e sempre haverá quem ofereça argumentos razoáveis contra, a favor ou muito antes ao contrário de mudar ou manter.
Qualquer das alternativas do sistema – financiamento público, privado ou misto de campanhas eleitorais; votação em lista aberta ou fechada para as câmaras legislativas; permissão ou proibição de coligações partidárias nos pleitos proporcionais; cláusula de desempenho, ou não, para o acesso das legendas aos recursos do Fundo Partidário e a tempo de TV, e das bancadas às comissões e às Mesas do Legislativo; e permissão ou proibição do entra-e-sai de parlamentares pelas bancadas – têm os seus benefícios e os seus inconvenientes.
Se a parcela da opinião pública que se interessa pelo assunto não estiver suficientemente informada do “trade off” inerente a seja lá que sistema se adote, poderá achar que a reforma vai acabar com a venalidade da política, o fisiologismo e os mensalões.
Ainda bem, pelo menos, que não se pensa em levar a matéria a plebiscito, como sugeriu um inadvertido Fernando Henrique semanas atrás.
Na consulta popular de 1993 sobre presidencialismo ou parlamentarismo, ganhou o primeiro porque o então governador Leonel Brizola convenceu a maioria do eleitorado de que “querem tirar o direito do povo de eleger o presidente da República”. Esse direito não estava em questão, e sim a amplitude dos poderes presidenciais.
Mas alertar a população para as vantagens e desvantagens de cada peça do modelo político-eleitoral – a tal ponto que em alguns casos é praticamente impossível distinguir quais pesam mais – é metade da missa que a mídia precisa celebrar para o seu público. .
A outra metade é ela mesma não tropeçar nos fatos. Dois exemplos de má informação se referem à cláusula de desempenho e aos prazos para os parlamentares mudarem de partido.
Os falsos problemas políticos
A imprensa critica o projeto de reforma porque reduziu de 5% para 2% e de 9 para 5 estados a votação que o partido precisa ter (e onde) para que os seus eleitos não vaguem feito almas penadas nos Legislativos e para que a sigla receba a sua parte do Fundo Partidário e do horário eleitoral.
A barreira é uma invenção alemã de 1949, quando se constituiu a República Federal, não para evitar a tão difamada “fragmentação partidária”, mas para evitar que partidos de extrema direita e extrema esquerda tivessem assento no Bundestag (o parlamento então com sede em Bonn).
O fato de ela ter sido imitada em outros países, como Portugal, não muda esse seu pecado (ou virtude) original.
O problema no Brasil não é o grande número de partidos com representantes no Congresso – 15. Pelo simples fato de que isso não tem a menor importância. Afinal, 85% das 513 cadeiras na Câmara pertencem a apenas sete siglas (PT, PMDB, PFL, PP, PL/PSL, PSDB e PTB).
Estes não foram os sete partidos mais votados em 2002. A sua atual posição no ranking das bancadas resultou do troca-troca promovido pelo governo. Mas dá no mesmo: sem o troca-troca, as sete maiores bancadas saídas das urnas (PT, PSDB, PFL, PP, PSB e PDT) também deteriam a esmagadora maioria das cadeiras).
Em outras palavras, para todos os efeitos práticos, os Pronas da vida não apitam nada nas decisões legislativas. Pode-se defender que sejam excluídos da TV e dos recursos do Fundo. O que não se pode é alegar que o Congresso é uma feira de partidos que dificultam as decisões e facilitam as corrupções.
De mais a mais, a proibição das coligações nas eleições proporcionais, se for adotada, tornará mais escassa a importância dos chamados nanicos no Congresso.
Por fim, a questão da fidelidade. Se também for adotada a votação em listas partidárias fechadas, o problema automaticamente desaparece. O deputado ou vereador que, no meio do mandato, quiser migrar de legenda estará livre para fazê-lo – mas perderá a cadeira, que será ocupada por outro candidato da lista de sua legenda, enquanto aquela para a qual ele se mudou não poderá tirar um de seus parlamentares para acomodar o recém-chegado. Só seria diferente se o tamanho das casas legislativas deixasse de ser fixo.