Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Pularam a página do verbete ‘checar’

Retrospectivamente, é fácil – quase tão fácil, é o caso de dizer, como abrir uma conta numerada num desses paraísos fiscais – condenar a imprensa brasileira por ter comprado pelo valor de face a versão do assessor parlamentar Paulo Oliveira sobre o que sucedeu a sua filha Paula, na noite de domingo, 8, numa estação de trem de um subúrbio de Zurique, na Suiça.


Claro que o manual foi ignorado. Na blogosfera, na TV, nas rádios e nos jornais, todos pularam a página onde está o verbete “checar”.


Pularam também, o que é pior, a página onde estão os advérbios “alegadamente” e “supostamente”.


Ainda assim, devagar. Primeiro, a versão paterna – com as fotos que ele tratou de distribuir da filha radiante, exibindo o que parece ser a sua gravidez – foi corroborada pelo seu namorado suiço, que por sua vez mandou as fotos das partes do corpo de Paula (barriga, coxas e pernas) marcadas, a estilete, com a sigla do partido suiço de extrema-direita SVP.


Segundo, a vítima – dos skinheads ou de si mesma, porém vítima sempre, como diria mais tarde o pai – tinha um perfil insuspeito: advogada, trabalhando na Suiça a convite de uma multi dinamarquesa do setor de transportes, com planos de casar e morar no país. E nada, rigorosamente nada, na sua história de vida, pelo que se apurou junto à mãe, à madrasta e aos amigos, que fizesse acender uma luz amarela na cabeça de repórteres e editores.


Terceiro e no mínimo tão importante quanto, a versão era plausível por terem chegado onde chegaram a xenofobia e o neofascismo na Europa de hoje. Dizem os italianos – em cujo país, por sinal, o ódio aos imigrantes o governo de direita de Silvio Berlusconi transformou em leis racistas – que “si non è vero è ben trovato”.

E a Suiça, com os seus chocolates e os seus queijos, as suas montanhas e as suas vaquinhas malhadas, não é nenhum cartão postal em matéria de preconceito contra os estrangeiros que fazem os “trabalhos de negro” que os nativos acham aquém demais deles.


E a sua polícia não é propriamente cavalheiresca como em tempos idos se costumava achar que a sua congênere britânica fosse.


Do Blog do Noblat da segunda-feira, 16:




“No final dos anos 90, o mordomo de Celso Lafer, embaixador do Brasil na Suíça, foi preso por engano. Apanhou. Depois, recebeu uma condecoração e visto permanente para trabalhar na Suíça.” Fonte: Itamaraty.


É fácil, repetindo, desancar a esta altura o Jornal Nacional por ter aberto a edição da quarta passada com a bombástica manchete “Barbárie na Suiça: brasileira é torturada por uma gangue e tem a gravidez de gêmeos interrompida.”


Claro que o certo seria algo como: “Acusação de barbárie na Suiça: brasileira teria sido torturada por uma gangue e teria a gravidez de gêmeos interrompida.”


Mas por que comentaristas do mais alto gabarito soltaram o verbo com base no noticiário agora execrado, sem que lhes passasse um fio de dúvida sobre a sua veracidade?


O melhor exemplo é o de Gilles Lapouge, jornalista e escritor francês de 85 anos soberbamente bem vividos no trato com os fatos, as ideias e as palavras. Em outras circunstâncias, um profissional e pensador com a experiência desse veterano correspondente do jornal Estado de S.Paulo em Paris teria sido o primeiro a se dizer attention: pas si vite antes de escrever:




“A sessão de tortura da qual foi vítima a advogada brasileira Paula Oliveira nas proximidades de Zurique é de arrebentar o coração. Uma noite de horror.”


Para terminar assim:




“Terá ela esbarrado em verdadeiros neonazistas, como sugere o estilo da agressão? Terá sido simples objeto de divertimento de três idiotas que camuflam sua nulidade mórbida sob o disfarce neonazista? Será que algum dia saberemos? A única coisa certa é que as marcas do horror, mesmo que desapareçam da carne da moça, dificilmente se apagarão no profundo de suas noites. Como poderá ela esquecer que esteve cara a cara com o mal?”


No dia em que saiu o seu artigo, sexta-feira, os jornais brasileiros também davam que, na véspera, duas policiais visitaram Paula no hospital onde tinha sido internada em Zurique para se desculpar com ela, em nome da chefatura da cidade, por ter sido destratada pelos dois detetives chamados a ver o que havia acontecido na estação de trem. Um deles a acusou de mentir e ameaçou com processo. [A esta altura, médicos suiços já tinham negado que ela estivesse gravida naquela noite, enquanto um perito dizia que os ferimentos provavelmente eram autoinfligidos.]


Ou seja, as desculpas serviram para a imprensa justificar a sofreguidão com que passou adiante, sem mais nem meio mais, a versão da família de Paula.


O fato é que não há seguro contra erros jornalísticos causados pela doença congênita do ofício: a precipitação [dramaticamente agravada pela concorrência imposta à mídia convencional pelo bloguismo em tempo quase real].


Ainda mais, insista-se, quando todas as peças da notícia – afinal falsa, pelo menos no que diz respeito ao aborto alegadamente causado pela agressão – pareciam encaixar-se às maravilhas.


Então, mesmo que o veredicto final sobre o comportamento da imprensa brasileira no episódio seja a condenação, impossível desconsiderar as chamadas circunstâncias atenuantes. Isso não é leniência, corporativismo ou o que valha.


Bata-se na imprensa – até com força, conforme o caso – mas não se bata nela por ter cometido um erro que, podem apostar, 11 em cada 10 de seus críticos também cometeriam, com toda a probabilidade, se estivessem na pele dos errados.


Agora, o que não tem o menor cabimento é a avalanche de agressões que desceu dos jornais suiços contra a mídia brasileira e o Brasil – apresentado pelo Neue Zürcher Zeitung como um dos campeões mundiais da xenofobia: segundo “pesquisas internacionais” [não identificadas] 72% dos brasileiros não gostam dos estrangeiros.


Este bloqueiro tem aversão pessoal a chauvinismo. Ao dito “certo ou errado, é o meu país”, prefere mil vezes “o patriotismo é o último refúgio dos canalhas”, se é essa a escolha. Mas, no caso, quem são os jornalistas suiços para dizer que a imprensa brasileira “regularmente publica notícias de fatos inventados’?


Vamos nos entender: como se comportou a brava imprensa alpina quando a Suiça, teoricamente neutra na segunda guerra mundial, entregava à Alemanha nazista refugiados judeus que tinham entrado legalmente no país? Quanto tempo levaram os destemidos periódicos suiços a abordar a repulsiva história dos bancos locais que se recusavam a transferir aos descendentes de vítimas do Holocausto os valores e bens que elas haviam depositado em seus cofres enquanto isso ainda era possível? [A alegação das vetustas casas bancárias era a de que os reclamantes não tinham prova de que os titulares das contas tinham sido exterminados.] Quantas denúncias saíram nessa imprensa complacente sobre os zilhões do tráfico de drogas e armas aplicados nos lugares certos em Zurique, Genebra e arredores, para o conforto da contabilidade das suas “instituições financeiras”?


Sobre a autoridade moral dos produtores das diatribes furadas como os proverbiais queijos da sua terra contra a imprensa brasileira, nada melhor do que a palavra de um suiço.


Trata-se do sociólogo, ex-deputado, relator especial da ONU sobre o direito à alimentação, Jean Ziegler. O que vale a pena saber sobre o assunto está em dois livros seus traduzidos no Brasil: A Suiça Acima de Qualquer Suspeita e A Suiça Lava Mais Branco.


A pergunta esquecida


Grande – e justificado – alarido com a entrevista do senador e ex-governador pernambucano, Jarbas Vasconcelos, ao repórter Otavio Cabral. Nela, o veterano político diz que “boa parte do PMDB [o seu partido] quer mesmo é corrupção”.


Grande – e justificada – perplexidade com o fato de o entrevistador não pedir ao denunciante que contasse pelo menos um caso, com nomes e sobrenomes, que corroborasse a acusação.


A prova omitida


Do “Painel” da Folha de sexta,13:




“Ao repetir, a cada entrevista, que Lula jamais lhe disse palavra sobre a candidatura à sua sucessão, Dilma Rousseff apenas segue um protocolo. O presidente já teve, sim, uma conversa bastante direta com a ministra.’


Deve ter tido mesmo – uma ou mais. Só que o leitor merece algo além do que ter de escolher entre a palavra do presidente e a palavra do painelista. Este é que tinha de informar quando e, se possível, em quais circunstâncias, ocorreu a conversa “bastante direta” (sic).


A posição escamoteada


O Globo, na semana passada, foi o primeiro a aproximar o leitor brasileiro do debate corrente na mídia americana sobre a possibilidade de os jornais passarem a cobrar pelo acesso às suas edições online. No domingo, Estado e Folha falaram do assunto – pela voz de alguns dos participantes do debate nos Estados Unidos.


Sobre a posição dos jornais brasileiros em relação às suas próprias edições online, ainda gratuitas, nem a mais remota sombra de uma sugestão.