Se ficar, o bicho come; se correr, o bicho pega. Essa é a impressão transmitida pelos jornais de hoje com as reportagens sobre os processos de cassação de deputados atingidos pelas denúncias do mensalão. Fosse qual fosse a decisão dos parlamentares ameaçados com a perda de mandato, iria sobrar para alguém – fosse o Congresso, o PT ou o governo Lula.
A interpretação preponderante dos jornais mais influentes de hoje, 18/10, sobre as renúncias dos deputados federais Paulo Rocha (PT-PR) e José Borba (PMDB-PR), é de que apenas duas renúncias indicam ‘fracasso’ na estratégia do governo Lula, que esperava um número muito maior de renúncias para ‘esvaziar’ a crise.
Caso isso acontecesse, a troca da possibilidade desses parlamentares em voltar ao Congresso por meio do voto no ano que vem, em contrapartida, implicaria na admissão de culpa e na desfaçatez aproveitar-se da brecha do regimento interno da Câmara para salvar a própria pele.
Mas ocorreu que a maioria resolveu enfrentar o julgamento. Vista sob ângulo inverso, que não é ressaltada nos jornais, a decisão da maioria dos ameaçados de enfrentar os processos poderia ser interpretada como mostra de confiança de que contam com a possibilidade de esclarecer os fatos e preservar seus mandatos com a absolvição dos julgamentos.
A inevitabilidade de que teria de sobrar para alguém foi alimentada pelos jornais nos últimos dias com a projeção, em primeiro plano, de que o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Carlos Aires, escolhido para julgar os recursos apresentados pelos deputados ameaçados, foi militante do PT e, pior, alçado para a mais alta Corte de Justiça do país pelo atual governo. Mas a semeadura não vingou: Carlos Ayres rejeitou os recursos e manteve o calendário processual da Câmara.
Com a maioria dos deputados ameaçados jurando inocência e se dispondo a enfrentar o julgamento, e com a negação da tese de favorecimento do ministro ‘petista’ do STF, a análise da crise foi simplificada com a frase atribuída ao presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva. ‘Só o Rocha?!’, teria dito Lula a ‘um interlocutor’, na Rússia, onde se encontra em viagem oficial.
Faltou identificar o ‘interlocutor’ que deu o mote para a interpretação vigente de que o Palácio do Planalto fracassou. Faltou também explicar ao leitor como as três palavras atribuídas a Lula expressam surpresa e decepção pela decisão da maioria dos parlamentares de seu partido.
Um culpado pelo desconforto de Lula já começou a despontar no noticiário. É que o deputado José Dirceu (mais uma vez) trabalhou contra o presidente e convenceu seus colegas de partido a não renunciar.