Quem viu, estranhou. Sentados à mesma mesa as grandes indústrias da soja, os agricultores da Amazônia e os ambientalistas. Coisa rara, mas aconteceu na semana passada, em São Paulo, durante a comemoração do primeiro ano da chamada Moratória da Soja. Estavam todos lá: Bunge, Maggi, Cargill, ABIOVE, ANEC, Greenpeace, WWF, The Nature Conservacy, entre outros.
A moratória existe desde julho de 2006, quando a ABIOVE (Associação Brasileira da Indústria de Óleos Vegetais) e a ANEC (Associação Brasileira dos Exportadores de Cereais) se comprometeram a não comercializar soja oriunda de áreas que forem desflorestadas dentro do bioma Amazônia.
Na semana passada, o compromisso foi prorrogado por mais um ano. O grupo de trabalho, que reúne as indústrias e as ONGs, divulgou resultados que apontam para um recuo do desmatamento. Para Carlo Lovatelli, presidente da ABIOVE, existem hoje cerca de 70 milhões de hectares desflorestados na Amazônia, dos quais apenas 1,2 milhão é cultivado com soja. Na Amazônia, apenas 200 propriedades rurais trabalham com soja, o que permite à indústria negociar com cada um destes agricultores para tentar impedir o desmatamento de novas áreas.
Com a Moratória, a indústria brasileira espera conter o barullho dos verdes lá fora. Vira e mexe, estoura uma campanha contra a soja brasileira na Europa, movida por várias entidades ambientalistas e apoiada por redes varejistas. As notícias da expansão da soja na floresta Amazônica afetam o comércio do produto. Pressionados pelos consumidores, redes de supermercados e grandes cadeias de fast-food ameaçam suspender a compra de alimentos produzidos com soja colhida na região amazônica.
A indústria da soja admite que a principal motivação da moratória é comercial, ou seja, garantir sua clientela. Mas diz estar preocupada também com a preservação da floresta e a utilização responsável e sustentável dos recursos naturais. Seja qual for a causa, o importante é que a indústria não compre soja oriunda de áreas desmatadas na Amazônia.
‘Só vai haver existir negócio e lucro, se existir o Planeta´´, lembra Paulo Audário, do Greenpeace. A aliança entre a indústria da soja, os agricultores e os ambientalistas para proteger a Amazônia é bem-vinda e representa um grande avanço para a formação de uma agricultura sustentável no Brasil.
Mas por que só a Amazônia? O cerrado também não é um bioma importante?
Longe de mim defender uma moratória para o cerrado. Não se trata disto. A região é vital para a agricultura (e para economia) brasileira. Lá se produz hoje 60% da soja brasileira. Mais ainda: no cerrado, o Brasil produz 59% do café, 45% do feijão, 44% do milho, 81% do sorgo, 55% da carne bovina e 10% da cana. O cerrado é o terceiro maior produtor e grãos do país e abriga 40% do rebanho bovino brasileiro.
Mas com uma extraordinária biodiversidade, o cerrado não pode ser encarado apenas como fronteira agrícola. Estamos falando da segunda maior formação vegetal do país, atrás apenas da Floresta Amazônica, que ocupa 2 milhões de km2 ( 23% do território nacional) e se espalha por 10 Estados. Cerca de 60% desse bioma está conservado. Portanto, é possível usar o cerrado para a produção de grãos e ao mesmo tempo preservar a sua natureza exuberante.
Por que não aproveitar o espírito da moratória da soja na Amazônia para criar um programa de agricultura sustentável também no cerrado? Lá vivem 10 mil espécies de plantas diferentes, muitas delas de uso medicinal e alimentício. Cerca de 800 espécies de aves se reproduzem no cerrado, além de 180 espécies de répteis e 195 de mamíferos. Isto sem contar com o surpreendente número de insetos, como cupins, borboletas, abelhas e vespas.
O Greenpeace diz que não trabalha com o cerrado, mas está preocupado com que possa acontecer por lá. ‘Há risco, sim, de a moratória na Amazônia aumentar a pressão sobre o cerrado’, admite Paulo Audário. Carlo Lovatelli, da ABIOVE, espera que as ferramentas da moratória possam servir para criar uma convivência mais harmoniosa entre a agricultura e a natureza também no cerrado. Tomara. Mas convém ficar de olho. Na Amazônia e no cerrado.