Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Tuítes poéticos

Não é que eu seja avesso às novas tecnologias da comunicação. O que me falta é tempo para tanta internet, e-mails, orkuts, facebooks, twitters e sabe-se lá qual a última novidade. Há excesso de mensagens, de informação. Viver é escolher onde se quer estar e para onde se quer ir. Só tenho 24 horas para viver cada dia. Preciso fazer escolhas. Vários autores, em minha estante, chamam para uma prosa. Alguns, poesia! Folhas em branco pedem-me para embelezar-se de palavras. Eu tento, mas fracasso. Falta coragem, admito, para mergulhar em minhas paixões. Se tempo é dinheiro, rico de quem dispõe de mais horas e dias para usufruir da vida, do amor, da amizade, da arte, literatura, poesia, dança, música, cinema – para o dolce far niente. Tudo o que o capitalismo global não quer. Quer você plugado, conectado, on-line, disponível para atender a todas as demandas que geram lucros. Vida que se vai…

Nenhuma tecnologia é neutra. E o grande teste da inteligência e sobrevivência humana será dizer não ao uso desqualificado de algumas delas. Energia nuclear para quê? Para salvar vidas ou produzir bombas atômicas? Experimentos em genética, robótica e nanotecnologia nos tornarão mais felizes e humanos? O progresso é um mito, muito bem justificado pela mídia para justificar a lógica do capital. A mesma que é responsável pela destruição do planeta. Vai demorar um pouco até que a maioria das pessoas descubra.

Vale a mensagem mais do que o meio

A mídia que transporta imagem e/ou som, palavra, conduz ideias. Enriquece ou empobrece nossas vidas. Portanto, muito cuidado com escolhas. Para uma espécie que sabe que vai morrer, há que selecionar muito bem o que fazer em cada minuto. Perder tempo com tudo que não fortalece o espírito, que não reconforta a alma e não embeleza os dias, parece ser pouco sábio – compreensão que costuma chegar tarde demais…

Mas levar mensagens inteligentes, plenas de beleza e humor, pelas vias modernas da comunicação, por que não? É do poeta Fabrício Carpinejar a ideia de produzir tuítes (tweets) poéticos, o primeiro livro em língua portuguesa com poesias de até 140 caracteres – exatamente o limite das mensagens do Twitter. Pela editora Bertrand Brasil, www.twitter.com/carpinejar é a prova definitiva de que é possível dizer coisas originais em poucas palavras. Se a interface é livro ou Twitter, se é papel, papiro ou bytes, pouco importa. Se a espécie é sapiens, vale a mensagem mais do que o meio – seja uma caverna em Lascaux, um afresco nas ruínas de um templo, uma tela, um pedaço de papel, argila, pedra –, qualquer superfície onde o gênio humano inventa significados, que emocionam, explicam e interrogam sobre tudo o que é vida e um dia acaba.

‘Amar deve ser uma sábia ignorância’

Portanto, na próxima vez que você for postar mais uma mensagem no Twitter, faça bom uso do seu tempo e o de seus seguidores.

Carpinejar que o diga:

‘Não conheci mulher que não seja no mínimo duas. Mas já vi muito homem pela metade.

O ônibus me ensinou: um passo à frente não significa conforto.

Quem confessa os erros não significa que está arrependido, pode estar se antecipando à crítica.

Desde a queima de sutiãs, o fogo usa lingerie.

Literatura é educar para o avesso. Quando educa para o conhecido, já é sermão.

Não acordar na hora de trabalhar, cancelar compromissos e encontros. A preguiça é corajosa. Enfrenta o mundo por um pouco mais de descanso.

Só o beijo muda o arrepio de lugar.

Quando morto, não venha cobrir minha cabeça com lençol. Desejo jornal sobre o rosto, morrer bem informado.

Gosto de transformar pote de geléia em copo. A água depois fica com memória de fruta.

A boa ação depende do anonimato, senão é ostentação.

Quem erra ao se apaixonar só pode corrigir amando.

Não quero alma gêmea. Isso é incesto.

Não conheço outro lugar em que mais se finge intimidade do que velório.

Meu corpo faz segredo, não me conta tudo.

O azar é uma sorte desacreditada.

Nunca conseguimos explicar o motivo de estar amando. Sempre explicamos fácil o motivo da separação. Amar deve ser uma sábia ignorância.’

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Jornalista, Florianópolis, SC