O Globo deu ontem, um dia antes dos outros jornais, os últimos números do Ministério da Educação sobre o escândalo do ensino fundamental e médio brasileiro.
Mas o furo, em 2 páginas com chamada na primeira, significa nada perto do que a Folha trouxe hoje: um primoroso caderno de 6 páginas sobre a medonha qualidade da escola brasileira, acompanhado já de um bem-pensado editorial – o que o Globo só fez hoje e o Estado só fará provavelmente amanhã.
Denso de informação e com um visual de primeira, o caderno ainda traz uma coisa rara: breves perfis das 10 escolas paulistas, todas particulares, cujos alunos, na contramão do desastre geral, se saíram como deviam no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).
Mostra também o que é o também particular Instituto Dom Barreto – de Teresina, Piauí! – que liderou o ranking nacional, com nota média 74,17, ante 74,12 do Vértice, o colégio mais bem classificado de São Paulo.
No Estado – onde o ensino médio mais piorou entre 1995 e 2005 –, só uma escola pública ficou entre as 10 melhores do gênero no país inteiro. E mesmo assim em 10º lugar.
A Folha diz que tentou, mas não conseguiu entrevistar os dois mais recentes ex-secretários de Educação em São Paulo (Rose Neubauer, na gestão Covas, e Gabriel Chalita (no governo Alckmin/Lembo).
O que leva ao único senão da cobertura. O jornal, concentrando a avaliação da avaliação nas vozes do atual ministro Fernando Haddad e dos antecessores Cristovam Buarque e Paulo Renato Souza (Tarso Genro ficou de fora), “federalizou” o problema.
Na realidade, o ensino fundamental e principalmente médio é como a segurança – uma questão antes de tudo estadual.
A União entra com: 1) a política geral de educação; 2) o grosso do dinheiro; 3) a avaliação do sistema.
Claro que o padrão do ensino público nos níveis pré-universitários depende da qualidade dessa política e da quantidade e da boa destinação desses recursos. Mas depende em primeiro lugar da gestão da escola pública nos Estados e municípios.
Governos estaduais e prefeituras são insubstituíveis nessa atividade.
Vai ver é por isso que, na soma algébrica dos prós e contras, as políticas federais de educação melhoraram substancialmente nos governos Fernando Henrique e Lula, mas essa melhora não chegou às salas de aula – muito ao contrário.
Da perspectiva jornalística, o caderno de hoje da Folha comprova mais uma vez que nenhum outro grande órgão brasileiro de informação cobre educação tão bem.
É longa a história que levou a Folha a desbancar o Estado nesse departamento. Tem a ver, ainda nos anos 1980, com a garra e a competência do editor de educação Perseu Abramo. E também com a geração que passou a dirigir o jornal, a começar de Otavio Frias Filho, o Otavinho, a partir de então.
Quaisquer que tenham sido ou sejam os seus defeitos, a grande maioria deles sempre dialogou profissionalmente com a universidade, de onde vieram. E fizeram da educação o que devia ser em qualquer jornal: assunto de primeira necessidade.
O resultado está aí. O Estado, que ajudou a criar a Universidade de São Paulo nos anos 1930 e – numa aliança que reuniu Júlio de Mesquita Filho, Florestan Fernandes e Antonio Cândido, entre outros – se bateu nos anos 1960 pela escola pública e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, não chegou a gastar hoje nem uma página inteira com a notícia, péssima e por isso mesmo da maior importância, da degringolada do ensino brasileiro.
P.S. O clima e o tempo
Um dos argumentos mais pífios e frequentes dos que tentam desqualificar as conclusões do painel da ONU sobre aquecimento global é o de que, se os institutos de metereologia são incapazes de prever direito o tempo que vai fazer nos próximos dias (ou mesmo amanhã), como é que aqueles cientistas podem dizer que daqui a 100 anos, ou quase isso, a temperatura da atmosfera terrestre será tantos ou quantos graus mais alta do que a de hoje.
A melhor resposta é do conhecido ambientalista e tecnólogo inglês James Lovelock, em entrevista ao Estado, a propósito do lançamento, no Brasil, do seu mais recente livro “A vingança de Gaia”.
Perguntado se “temos conhecimento suficiente do clima para afirmar que ele vai esquentar ano a ano e por quanto tempo”, respondeu:
”Prever o clima futuro é diferente de prever o tempo no futuro, de dizer com certeza se vai chover num determinado dia daqui a alguns anos. Mas podemos dizer com certeza que o aumento de dióxido de carbono [na atmosfera] inevitavelmente causará uma profunda mudança do clima.’
Com um mínimo de honestidade intelectual, é fácil sacar a diferença. Ou não?
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