Em dois dias consecutivos e em dois lugares separados por mais de 10 mil quilômetros, dois chefes de governo atacaram a imprensa a golpes de borduna. Cada qual a seu modo e na sua circunstância, o primeiro-ministro britânico Tony Blair e o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva acusaram a mídia de não fazer coisa que preste.
A investida de Blair, com a popularidade abaixo de zero e a poucas semanas de entregar o poder ao sucessor Gordon Brown, foi ampla, geral e irrestritamente devastadora. Numa palestra, desancou os jornais da sua terra por serem ‘animais ferozes’ [feral beasts], amargos e agressivos, prepotentes e cheios de si, indiferentes às fronteiras entre o público e o privado, guiados pela busca de impacto e descuidados com o senso de proporção, incapazes de enxergar o mundo a não ser em preto e branco.
Ora, ora. Nenhum outro governante britânico, nem mesmo a Dama de Ferro Margaret Thatcher, manipulou a mídia com tanto despudor como Tony Blair, por meio do seu marqueteiro Alastair Campbell – o genial criador do termo ‘princesa do povo’ para a recém-falecida Diana e o cínico tecelão da versão local da rede de mentiras sobre as armas de destruição em massa de Saddam Hussein.
Blair, na sua diatribe de anteontem, pelo menos abordou questões de fôlego nas atitudes e métodos da grande imprensa. Mereceu do Guardian o editorial ‘Sermão certo, pregador errado’.
Já o presidente Lula foi raso como se achava que, reeleito, ele não voltaria a ser na simplificação dos problemas e na transferência de responsabilidades por eles.
Culpou o jornalismo – vejam só! – pelo insuficiente turismo interno:
‘O que a gente vê de bonito [do país] na imprensa brasileira?’, perguntou retoricamente. ‘Quais são as mensagens que nos provocam a viajar no final da semana? Não tem.’
E se pôs a exemplificar: ‘Se fala de Pernambuco, é morte. Se fala do Ceará, é morte. Se fala da Bahia, é morte. Aí a pessoa diz: ´Espera aí, não vou sair daqui não, vou ficar dentro de casa.` E ainda olha, vê se não tem uma fresta, para não vir bala perdida.’
O presidente espancou os fatos. Não há nenhuma prova de que o brasileiro passou a viajar menos pelo país por medo da violência. E se houvesse, a culpa não seria de quem a noticia, mas de quem não consegue controlá-la.
Se ultimamente algo pode fazê-lo pensar duas vezes antes de arrumar as malas é não achar uma boa idéia ‘relaxar e gozar’ nos congestionados aeroportos brasileiros – um conselho que tão cedo não desgrudará da imagem da ministra do Turismo, Marta Suplicy.
Ela pelo menos não culpou a mídia pelo apagão aéreo.
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