A condenação do casal Alexandre Nardoni e Anna Carolina Trota Peixoto Jatobá, acusado pela morte brutal da menina Isabella Nardoni em 29 de março de 2008, à época com apenas cinco aninhos, foi como um bálsamo para os corações aflitos e almas angustiadas de familiares e amigos mais próximos. Foi uma ‘vitória’ do Ministério Público sobre os argumentos dos defensores dos réus. Era um resultado esperado, muito desejado por uma parcela significativa da sociedade brasileira. Mas, foi justa a condenação? Ou melhor, havia mesmo provas inequívocas da culpabilidade do casal?
O êxtase verificado nos rostos que encheram a tela da televisão, de pessoas anônimas, distantes das famílias envolvidas na tragédia, era algo espantoso. Até show pirotécnico, lá bem em frente ao fórum de Santana, na capital, palco do maior julgamento dos últimos dez anos foi visto. A população com sede de justiça gritava incansavelmente ‘Assassinos, assassinos!’ Foi feita justiça? A condenação significa mesmo justiça? As provas levadas ao processo de 26 volumes, com mais de 5 mil páginas, eram mesmo suficientes para condenar o casal?
Os jurados responsáveis pela condenação agiram com isenção de ânimo? Foram convencidos pelas provas e pela argumentação de Francisco Cembranelli, o promotor, ou forçados pela mídia a condenar os réus? As provas técnicas apresentadas, diga-se de passagem, com vários questionamentos, inclusive de outros peritos, eram mesmo fortes, incontestáveis? Que peso teve a mídia na condenação do casal? Muito.
Suposições, analogias, probabilidades
A maior prova, ou seja, a prova que o Ministério Público usou como forma de demonstrar que o casal matou a menina e a atirou pela janela do sexto andar do edifício London, foi a camiseta de Alexandre, que apresentava as marcas da rede de proteção da janela, uma telinha de nylon. As pegadas na cama também seriam prova da autoria do crime.
Ninguém considerou a possibilidade de as marcas da rede de proteção terem ficado na camiseta de Nardoni pelo fato alegado por ele, de ter se encostado à tela para observar o corpo da filha, lá embaixo, na grama do condomínio. Afinal, nesses casos, a palavra do réu de nada vale, mesmo que seja verdadeira. A própria imprensa desconsiderou os argumentos dos réus e de seus defensores, atribuindo ao Ministério Público uma posição de dono da verdade. Nada valia em defesa dos acusados. Era um julgamento com direito apenas aos argumentos da acusação.
Só o tempo dirá se a condenação, naquele momento, foi ou não foi justa. Seria mesmo o momento de proceder ao julgamento? Não caberia uma melhor investigação, além de exames periciais? Com tantas dúvidas é possível julgar com total isenção? E se amanhã ou depois surgir um fato novo quanto à autoria do crime? A cronologia dos fatos do dia 29 de março de 2008 apresentada pelo promotor é prova da autoria? Ora, a condenação se deu baseada em suposições, em analogias, probabilidades do tipo ‘só pode, pois não seria outro o autor’. Outro argumento pró-condenação: ‘dentro dessa dinâmica pericial, só podemos concluir que o casal matou a criança’ e por aí vai.
Comoção não é prova
O crime existiu e o casal estava lá. Isto é fato. A perícia mostrou que a criança foi esganada e atirada pela janela. Isto também é fato. Havia sangue em vários lugares, no apartamento e supostamente no carro da família. Isto também é fato. A perícia comprovou os fatos, mas não desenhou os culpados. A perícia não é ciência exata. Os exames de DNA, outrora tão dignos de crédito, hoje, ao menos nos Estados Unidos, são submetidos ao contraditório.
Estamos diante de um caso que sugere uma séria discussão sobre a real validade do tribunal popular do júri. Se o julgamento do casal Nardoni fosse competência de juízo singular, o resultado seria o mesmo? Ou seja, um juiz ou uma câmara de juízes julgaria tecnicamente, não se deixando levar pela comoção social, elemento flagrantemente presente no caso em tela? Dizer que os jurados representam a vontade da sociedade não tem cabimento, pois nestes casos o que se deve levar em conta não é a emoção ou comoção social, mas as provas inequívocas dos fatos. Comoção não é prova.
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Jornalista, São José do Rio Preto, SP