Notícias transmitidas baseadas em hipóteses; exploração maciça da catástrofe alheia; honras manchadas sem possibilidade de defesa.
A imprensa brasileira ainda não aprendeu muito com o caso da Escola Base. A repercussão do caso Isabella Nardoni nos traz à luz a verdade sobre a sociedade espetacular em que vivemos, na qual vale tudo para aumentar a audiência. Por meses acompanhamos pela TV e demais meios de comunicação reportagens sobre a morte de Isabella Nardoni. Percebemos que bastou a suspeita de que o pai e a madrasta seriam os assassinos da menina para que o caos se instaurasse no país. Pessoas ocuparam a entrada do prédio em que o casal morava e, com faixas e gritos de ordem, os acusavam de homicídio e pediam justiça. Justiça seja feita, por não haver provas incontroversas de que os dois fossem culpados, o casal já deveria estar solto. Fato é que, a controvérsia inerente ao caso deu margem ao espetáculo a que assistimos e negou ao casal o direito à presunção da inocência. Condenados publicamente pela mídia, Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá perderam a liberdade antes mesmo de terem a prisão decretada.
Casos bárbaros de violência acontecem todos os dias, porém muitos deles não são publicados. Alguns até são, só que a ausência de conflitos de informações não dá ocasião à imprensa sensacionalista. Um exemplo disto foi o ocorrido com o menino João Hélio em 2007: ele foi arrastado por quilômetros até a morte, mas como os responsáveis foram rapidamente encontrados e o crime solucionado, ninguém foi protestar em porta de presídio e a imprensa fez uma cobertura discreta.
Caça às bruxas
Segundo o autor Gilles Lipovetsky, em Metamorfoses da cultura liberal – ética, mídia, empresa (LIPOVETSKY, 2004, p.80) ‘as novas exteriorizações coletivas dos sentimentos estão ligadas, de perto ou de longe, ao impacto da mídia: inexiste emoção coletiva sem hipermidiatização dos acontecimentos’. Isso é facilmente observado quando comparamos os casos da Escola Base, de Isabella Nardoni e de João Hélio. No primeiro caso, vemos que o egocentrismo de algumas pessoas, baseado em uma hipótese que depois foi descartada com a conclusão do inquérito policial, arruinou a vida de outras. Ficou constatado que nenhuma criança havia sofrido abuso sexual. Todavia, os danos causados à honra dos acusados são irreparáveis; os educadores jamais conseguirão voltar a exercer suas atividades laborativas. No segundo caso, se Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá forem inocentes, verificaremos que novamente pessoas foram condenadas publicamente com provas insuficientes.
Esses dois casos ganharam destaque na grande mídia pela possibilidade de serem ‘o caso do ano’: sua resolução ou divulgação daria notoriedade tanto à autoridade policial implícita quanto ao jornalista que conseguiu o ‘furo’. Com a Escola Base, o furo foi enorme: a imprensa é processada até hoje e o delegado também. Já o caso de João Hélio não teve uma repercussão popular justamente porque faltou a dúvida, uma vez que os fatos falavam por si: menino morto e assassinos presos é igual a caso encerrado. Não há o que dizer. Não vende jornal. Não dá Ibope. Também não choca, não sensibiliza nem mobiliza multidões de protestantes sem causa, pessoas que se aproveitam do espetáculo de alguma forma.
Ressalto que, o direito de resposta proporcional ao agravo não confere à mídia liberdade para atacar a honra de ninguém, até porque o espaço sempre é desproporcional: para agravar fazem-se manchetes, suítes, páginas inteiras. A resposta é uma nota seca, poucas linhas no rodapé da página. A liberdade de imprensa não foi criada para este fim. Assim como não é possível recolher todas as penas jogadas ao vento, não é possível limpar toda a desonra que cai sobre uma pessoa caluniada. Deve a imprensa investigar antes e publicar posteriormente, para manter (ou cultivar) sua credibilidade e fornecer informações sérias à população para a qual presta serviços. Quando isso não ocorre, funciona apenas como um instrumento de caça às bruxas, as quais, conforme a visão popular, devem ser queimadas em praça pública para que a justiça seja feita.
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Estudante de Jornalismo, Rio de Janeiro, RJ