Salvo a coluna de Merval Pereira, no Globo de hoje, que cita extensamente as palavras angustiadas do deputado Fernando Gabeira, nenhum dos grandes jornais brasileiros se dignou comentar o que tem todo o ar de ser o comportamento burocrático do Itamaraty em relação aos milhares de cidadãos brasileiros – turistas e residentes – que suplicam por ajuda do governo para escapar à carnificina no Líbano [onde sete dos nossos já perderam a vida nos últimos dias].
Nada tampouco nas páginas editoriais e de opinião sobre o contraste entre esse vexame e o bem-sucedido empenho de outros países – não necessariamente mais ricos que o Brasil – para resgatar os seus nacionais do inferno libanês.
O próprio noticiário a respeito tem duas caras: a da vida real no país ensanguentado e o do oficialismo gélido das inconvincentes versões dos diplomatas – nem contestadas nas entrevistas, a julgar pelo que se lê, muito menos objeto de checagem independente pela mídia – para a sua chocante incompetência. Se é disso que efetivamente se trata.
Enquanto os enviados especiais da Folha e do Estado a Beirute, Marcelo Ninio e Eduardo Salgado, mostram em textos e imagens contundentes a decepção, o isolamento, a desesperança e a revolta dos concidadãos – palavras usadas pelos jornalistas – o reportariado de Brasília se limita a registrar o blablablá do embaixador Everton Vieira Vargas, que coordena, por assim dizer, o Grupo de Trabalho, por assim dizer, de apoio, por assim dizer, aos brasileiros que padecem da desventura de depender do pessoal das Relações Exteriores.
O embaixador – que, por sinal, é nada menos do que chefe de gabinete do segundo homem do Itamaraty, o polêmico secretário-geral Samuel Pinheiro Guimarães – diz, por exemplo, que o governo recebeu ofertas de empresas aéreas estrangeiras para ajudar a resgatar os brasileiros [pela Síria ou Turquia]. Pois bem. Aparentemente, ninguém lhe perguntou o que precisa acontecer para essa oferta ser aceita.
A pior das histórias é a do cancelamento à última hora do transporte de 800 brasileiros praticamente ilhados no vale do Bekaa, um dos principais alvos das bombas israelenses. Eles deveriam seguir para Damasco em 15 ônibus fretados pela embaixada do Brasil na capital síria.
Da Folha: ‘Preocupado com o custo de aluguel dos ônibus e com a hesitação dos motoristas sírios dos veículos em cruzar a fronteira com o Líbano, o conselheiro Felipe Goulart, da embaixada em Damasco, comunicou o cancelamento aos coordenadores do resgate a menos de 12 horas da partida. Em Brasília, no entanto, o Itamaraty deu outra explicação. Os motoristas contratados desistiram da tarefa devido à falta de segurança.’
Ou desistiram por que os diplomatas, ‘preocupados com o custo do aluguel dos ônibus’, acharam que o serviço ficaria caro demais para os cofres públicos da Pátria?
Do brasileiro Mohamad Abduni ao repórter Marcelo Ninio, da Folha: ‘Não estamos em férias. É uma situação de guerra, numa região de risco, mas parece que o governo não percebeu.’
Da brasileira Zahra Rada Naddi ao editor Eduardo Salgado, do Estadão: ‘Por que não nos tiram daqui, o que está faltando, explica para mim, me diz o que é preciso fazer?’
É o caso de perguntar também o que está faltando para a mídia cobrar serviço do serviço diplomático brasileiro cujo profissionalismo ela não se cansa de enaltecer.
P.S. Da série ‘Pegou na veia’
Pegou na veia da questão o comentário do colunista Jorge Bastos Moreno, no Globo de hoje:
‘Heloísa Helena contou à coluna que, menina, não podia ultrapassar a área de serviço das mansões onde sua mãe trabalhava. Esse fato torna ainda mais imperdoável a expressão ‘empregadinho’ usada por ela para desqualificar ministros de Lula. Uma pena.’
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