Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Nada de ´off´: falou, tá falado

Melhor, só um single malt da abençoada ilha escocesa de Skye.


 


O jornal The Scotsman [191 anos, 64 mil exemplares], de Edimburgo, não só publicou uma violenta declaração “em off” da principal assessora para assuntos internacionais e amiga próxima do candidato democrata Barack Obama, a historiadora da Universidade Harvard Samantha Power, como puxou a confidência para o título – “Hillary Clinton é um monstro” -, e ainda justificou, no próprio texto assinado pela repórter política Gerri Peev, a decisão de ignorar o pedido de reserva da entrevistada.


 


Sob o entretítulo “Publish and be damned” – a expressão publique e dane-se vem da resposta do primeiro duque de Wellington [1769-1852] à amante que ameaçava publicar um livro de memórias, com as cartas dele -, eis o que deu o jornal:


 


“Quando é que o ‘off the record’ é realmente ‘off the record’? Quando as regras são estabelecidas de antemão.


 


Jornalistas sempre procuram saber das coisas e querem que a informação recebida possa ser publicada.


 


Mas, ocasionalmente, um entrevistador aceitará que um diálogo fique ‘off the record’ e que a conversa não seja atribuída [a uma fonte]. Comentários [não publicados] podem servir de material informativo de fundo para um texto jornalístico.


 


Se uma conversa é para ser ‘off the record’, esse acordo geralmente é explicitado antes que a entrevista comece. Às vezes, figuras públicas dizem algo e depois tentam se retratar, insistindo em que [a declaração] era ‘off the record’.


 


Mas então é tarde demais, particularmente se é do interesse público que a história seja publicada.


 


No caso, Samantha Power estava promovendo o seu livro [Caçando a Chama: Sergio Vieira de Mello e a sua luta para salvar o mundo] e ficou estabelecido de antemão que a entrevista era ‘on the record’.”


 


Se a repórter não estiver mentindo – numa entrevista ela disse ainda que, “por uma questão de consciência”, não poderia omitir o insulto da acadêmica à rival de Obama –, então foi jogo jogado.


 


Tanto pior para Obama, que quer se distinguir dos políticos em geral pela atitude de não partir para a agressão contra quem quer que seja, nem permitir que os seus o façam.


 


E tanto pior para Samantha, que teve de tirar o time da campanha com um abjeto pedido de desculpa, em que fala de sua “admiração” por Hillary Clinton. Com admiradores assim…


 


Pensando bem – do ângulo dos interesses do presidenciável – ela já vai tarde. Primeiro, pela assombrosa infantilidade de imaginar que, numa entrevista com uma repórter baseada em Londres a quem talvez não conhecesse, poderia chamar a adversária do chefe de monstro que “se rebaixa diante de qualquer coisa”, contando com a complacência da jornalista.


 


Segundo, porque em outra entrevista, dessa vez à BBC, a premiada historiadora irlandesa de 38 anos e colunista da revista Time aprontou de novo.


 


Sem pedir ‘off’, nem antes, nem depois, puxou o tapete da promessa original de Obama de tirar as tropas americanas do Iraque em 16 meses, dizendo que era otimista demais e que ele mudará de idéia quando se tornar presidente. 


 


Foi a segunda vez em menos de duas semanas que Obama levou um gol contra numa partida de que participa a mídia.


 


Um dos seus principais assessores econômicos, Austan Goolsbee – por sinal, colega de Samantha em Harvard – confidenciou a funcionários canadenses que a promessa do presidenciável de renegociar o Nafta [o acordo de livre-comércio entre Estados Unidos, México e Canadá], para tornar mais duras as suas normas trabalhistas e ambientais, era pouco mais do que “um posicionamento” de candidato.


 


A história vazou para a imprensa dias antes das prévias em Ohio, na última terça-feira. Não deu outra: nesse Estado onde o desemprego industrial é elevado, o voto operário do eleitorado democrata migrou em massa para Hillary, proporcionando-lhe a “volta por cima” que ela tanto passou a explorar depois de 11 derrotas consecutivas para Obama.


 


Já dizia minha mãe: a vida e a morte estão na ponta da língua.