A editora de Política do jornal Valor, Maria Cristina Fernandes, procura o que os candidatos escondem: as políticas públicas que eles pretendem de fato colocar em prática caso eleitos. Ela diz que o Valor persegue uma cobertura temática. Não se preocupa com as idas e vindas das campanhas. Basicamente, por duas razões. Primeira, a composição de seu público. “Empresários e executivos são menos preocupados com julgamentos morais. Querem saber como as medidas concebidas podem mexer com seus negócios, querem ter informação sobre a condução do poder”, explica. Segunda razão, prática: com cinco edições semanais, espaço e equipe reduzidos na editoria de Política, não é possível competir com os três jornais mais influentes.
Mas há na concepção dessa estratégica de cobertura uma convicção profissional, relata Maria Cristina:
“No início da minha carreira, quando eu comecei a cobrir política, encontrei um sujeito que, hoje, vejo quanto foi preciso no que era importante, no que estava em jogo. Ele disse: – Olha, quando eu começo a assessorar um candidato, digo para ele, ´Pegue o pessoal que está elaborando aquilo que realmente vai dar para fazer, não aquilo que você está prometendo, jogue esse povo para uma sala, tranque lá, dê comida, bebida, telefone, computador, mas não deixe esse pessoal falar com a imprensa´.
“São essas pessoas que a gente quer ouvir”, prossegue Maria Cristina, “porque são essas pessoas que, no final das contas, vão colocar em prática, vão produzir as políticas de governo que na campanha não necessariamente vão ser discutidas, porque nem todas interessam ao eleitor”.
Propostas são o que mais interessa
A editora designa como problemas cruciais de hoje “a questão fiscal, que está em xeque, o tamanho do Estado, o corte de gastos, o futuro da política econômica”. Segundo Maria Cristina, esses assuntos não estão na pauta do debate político mais amplo. Mas no Valor o foco é “descobrir o que será feito no dia primeiro de janeiro e nos dias subseqüentes para resolver a questão do gargalo fiscal, a Previdência, a continuidade do Bolsa Família”, relata. Na quarta-feira (28/6) o jornal publicou entrevista com o candidato do PSDB, Geraldo Alckmin, que foi uma boa ilustração dessa concepção.
Essa preocupação não significa ignorar as questões de política eleitoral, o quadro das alianças, o tempo disponível na televisão. Mas só isso não justificaria a existência de uma editoria de Política no Valor, avalia Maria Cristina.
“Queremos ver as propostas. A questão fiscal, por exemplo, é delicadíssima. O Estado não tem como investir sem mexer no Bolsa Família, na Previdência. Essa é nossa principal tarefa. Se conseguirmos fazê-la direito me darei por satisfeita”, anuncia ela.
A jornalista, que passou pela Gazeta Mercantil, pela Veja e pela Época, aponta outra incitação para uma cobertura diferenciada: “Sobre uma convenção realizada numa sexta-feira ou num sábado só iremos falar na segunda-feira. Temos que puxar a cobertura para fatos que os grandes jornais não vêem, somos obrigados a buscar algo diferente”. A equipe é reduzida: cinco pessoas em São Paulo, mais três em Brasília – dois repórteres e a chefe da sucursal, Rosângela Bittar, oriunda da Política – e correspondentes nos estados que dividem o tempo entre economia, política, administração e outros assuntos.
Exígua classe média
Maria Cristina Fernandes é, não podia deixar de ser, uma leitora voraz da imprensa. “Leio tudo que sai nos jornais, mais os blogs de Política”, relata. “E leio até o fim cada reportagem. Muito freqüentemente, a informação que me interessa está na última linha, escondidinha. Porque os jornais gostam de chamar pelo que é mais bombástico, não necessariamente o que é mais relevante. Os repórteres procuram colocar nas matérias tudo que conseguem apurar”.
Maria Cristina considera positiva a evolução da cobertura de política nos jornais, apesar do enxugamento das redações. “Os jornais têm feito um esforço para aprofundar a cobertura”, avalia. “Um público de classe média talvez exija matérias mais espetaculares”, concede. Mas sente falta de compilação, hierarquização, copidesque. “Havia um fechamento mais generoso”, compara. “Agora os fechadores ficam muito ocupados fazendo artes” [os famosos infográficos].
Dos grandes jornais, a editora de Política do Valor destaca a página 3 do Globo. De modo geral, detecta uma “relação muito doentia entre notícia e o público leitor, um público exíguo de classe média”.
“A quem importa greve na escola pública, um dos problemas mais dramáticos para a população?”, pergunta. “Isso não tem espaço, porque não atrai o público leitor. Temos uma relação conflituosa com o Estado, por conta da carga tributária e da má qualidade dos serviços públicos, então queremos saber dos escândalos. É uma relação muito doentia”.
Poder, não apenas Política
Segundo Maria Cristina, o último grande evento foi o ataque do PCC, em maio. “Naquele período os jornais viraram de novo jornais gerais”, constata.
A jornalista diz que às vezes encontra ótimas matérias de política em cadernos de cotidiano. “São opções de políticas públicas tratadas como matérias de cidade”, lamenta, reconhecendo implicitamente que a cobertura de cidades é vista como secundária.
A editora de Política diz que o Valor tem procurado chamar a atenção para temas como, por exemplo, o fato de que todos os partidos, do PT ao PFL, são obrigados a ter discurso social. Ela leu as propostas do PFL para o programa de Geraldo Alckmin e encontrou “o Bolsa Família sustentado de cabo a rabo” (o que também significa, é preciso anotar, que essa política não incomoda forças mais conservadoras).
E volta ao tema principal: a cobertura do Valor, tal como concebida pelo primeiro diretor de Redação, Celso Pinto, hoje afastado por doença, e pela substituta dele, Vera Brandimarte, sempre procurou ser “não uma cobertura da política, mas do poder”.
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