Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Pobreza e favelados no Rio

Na semana passada, Ancelmo Gois noticiou no Globo que, dos 800 mil moradores da cidade do Rio de Janeiro com renda abaixo da linha de pobreza (meio salário mínimo per capita, ou dois salários por domicílio, observando-se a média de quatro pessoas por domicílio), cerca de 240 mil são moradores de favelas. A repercussão da nota se concentrou na constatação de que os demais 550 mil habitantes pobres – segundo o critério de renda – não moram em favelas. O economista Sérgio Besserman, diretor de Informações Geográficas do Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos, do Rio de Janeiro, ex-presidente do IBGE, chama a atenção para o outro lado da moeda: dos cerca de 1.090.000 moradores em favelas, 850 mil estão acima da linha de pobreza. Besserman destaca que renda não é o único critério de pobreza.


O economista acha necessário dar um pouco mais de conteúdo à discussão sobre favelas recentemente retomada pelo Globo. Desde logo, ele convida os leitores a visitar o Armazém de Dados (http://www.armazemdedados.rio.rj.gov.br/), site que, segundo Besserman, é de longe o melhor do Brasil dedicado a município. No sub-site Bairros Cariocas, por exemplo, constata-se que a Rocinha (56 mil habitantes, segundo o Censo de 2000) está longe de ser “a maior favela do Brasil”, como a mídia, a despeito de todas as informações em contrário, não se cansa de apregoar. No próprio Rio de Janeiro a Maré (113 mil habitantes) tem população muito maior, assim como, em São Paulo, Heliópolis (120 mil habitantes).


Sérgio Besserman garante que a área da favela da Rocinha não teve nenhuma expansão entre 1999 e 2004 – “é medição com foto aérea, de absoluta precisão” –, assim quase todas as favelas das áreas onde moram os demais 80% dos favelados. Mas a população cresce porque a favela se adensa, cresce verticalmente.


Besserman alerta para o caráter heterogêneo e assimétrico da realidade das favelas. Considera que há uma grande dose de elitismo no próprio uso genérico do termo “favelas”. “Ninguém fala ´bairros´. Todo mundo sabe que Anchieta é diferente do Méier, que é diferente da Pavuna, que é diferente de Copacabana. Favelas podem ser muito diferentes entre si, com necessidades também diferentes. São um milhão de pessoas morando nelas! Há que pensar a cidade como um todo. Não existe uma solução pontual, específica, para a questão das favelas. Há que falar de políticas públicas em geral. Se houver transporte rápido e confortável da Região Metropolitana, do nordeste da cidade do Rio de Janeiro até a Zona Oeste e a Barra, muitas pessoas que para lá se mudam, para pequenas favelas, não terão nenhuma motivação econômica para fazê-lo.”


O ex-presidente do IBGE explica que o crescimento da população favelada na Zona Oeste, e mais especificamente na Barra da Tijuca, se enquadra dentro de um movimento geral de migração para essa parte da cidade, em busca de emprego e renda. Dá uma dica: do ponto de vista da segurança, a favela nova é melhor do que a antiga, consolidada, porque não tem presença estruturada do tráfico de drogas. Em compensação, a favela consolidada tem serviços públicos muito melhores. No Jacarezinho há 20 padarias que produzem seu próprio pão. Cita a propósito do tema favelas o ministro da Fazenda de Fernando Henrique Cardoso, Pedro Malan: para todo problema complicado tem sempre uma solução simples e… errada.


Eis as outras partes da entrevista dada ontem ao Observatório por Sérgio Besserman.


Muitas favelas decrescem


“As favelas do Rio de Janeiro, de um modo geral, têm saneamento, coleta de lixo, uma série de outros serviços públicos em condições às vezes muitíssimo melhores do que as dos demais municípios da Região Metropolitana, ou do que a imensa maioria dos municípios do Brasil. Não estão abaixo da linha de pobreza. Favelas do Rio de Janeiro não são uma realidade homogênea. Há favelas que crescem, muitas favelas que decrescem, outras com a população relativamente estabilizada. O conjunto de favelas que tem sido objeto do Favela-Bairro, onde moram quase 70% a 80% dos moradores de favelas da cidade do Rio de Janeiro, está bastante estabilizado demograficamente”.


Segurança é essencial


“A questão da segurança é essencial. Trata-se [em alguns casos] de territórios onde o Estado não tem mais o monopólio da força, territórios onde o Estado está presente, a Polícia entra, mas existem outras forças, com outras leis, com outros poderes, que também estão lá cotidianamente, e assim com relação aos demais poderes públicos da cidade, do estado, do país”.


Não há transporte adequado


“Se houvesse transporte adequado – metrô, por exemplo –, uma boa parte da população que mora na Maré, no Alemão, em toda a região da Penha, lá para cima, no nordeste da cidade, ou mesmo em municípios da Região Metropolitana, poderia chegar onde há uma dinâmica maior de renda e emprego, como Barra da Tijuca, Campo Grande, Zona Oeste, de modo geral, confortavelmente e rapidamente, não precisaria ir morar numa favela nova onde ainda não tem infra-estrutura, não há saneamento, coleta de lixo, que já são realidades na maior parte das favelas consolidadas da cidade”.


Educação e fecundidade


“A dinâmica de crescimento populacional das favelas do Rio de Janeiro envolve três componentes. Primeiro, embora não haja mais migração para a cidade do Rio de Janeiro – mais gente sai do que entra –, para as favelas mais gente entra do que sai, vinda de outros municípios, do Nordeste e de outros estados. Segundo, as mães moradoras em favelas têm uma taxa de fecundidade maior do que as mães moradoras da cidade formal, realidade que se explica inteiramente por terem escolaridade menor. Havendo a mesma escolaridade, com certeza se reduzirá a taxa de fecundidade. Finalmente, existe o crescimento vegetativo propriamente dito”.