Devo já ter contado a história dos teólogos medievais que discutiam, com base em textos de Aristóteles e outros doutos, pagãos ou cristãos, quantos dentes tem um cavalo. Às tantas, um campônio analfabeto interveio: ‘Por que não abrem a boca do bicho e contam?’
Hoje a Folha, pela repórter Elvira Lobato, começou a fazer exatamente isso com o projeto da Rede Nacional de Televisão Pública – leia-se estatal – apresentado segunda-feira pelo ministro de Comunicações, Hélio Costa.
Na melhor tradição do jornalismo que não se limita a abrir aspas e fechar aspas para os poderosos e os que ‘são notícia’, a repórter descobriu, e conta cuidadosamente como descobriu, que a TV do Executivo federal pode custar mais que o dobro, segundo cálculos conservadores, dos R$ 250 milhões em quatro anos mencionados pelo ministro.
Isso se a idéia for realmente levar o sinal da rede a todos os 5.564 municípios brasileiros. Ficará mais caro ainda se o sistema não aproveitar a infra-estrutura de geração da Radiobrás, que cobre 30% do país.
A matéria lembra, a propósito, que Costa não explicou como chegou aos R$ 250 mi. Na terça-feira, segundo o jornal, disse que se tratava de um número que precisaria ser ‘refinado’.
Eis mais uma prova de que, por falta de competência, ou excesso de esperteza, montou-se um projeto meia-bomba, cuja única virtude foi chamar a atenção para a necessidade de se fortalecer um autônomo sistema de televisão pública nacional – sem ingerência política, nem dependência do mercado -, com base nas emissoras culturais e educativas que comem o pão que o diabo amassou para sobreviver.
Razão tem o Alberto Dines quando escreve que ‘esta novela começou muito mal, melhor será tirá-la do ar o mais cedo possível’. Se o governo acha pouco o que tem, fortaleça a Radiobrás, com a sua TV Nacional e Agência Brasil.
P.S. ‘Exemplarmente digno’
Faça-se justiça ao editorial do Estado de hoje sobre o Plano de Desenvolvimento da Educação, anunciado anteontem.
O jornal brasileiro mais anti-Lula, que bate no governo dia sim, o outro também, não raro forçando a barra dos fatos para acomodar melhor as suas opiniões, hoje pôs nas núvens não só o governo, mas ‘o presidente em pessoa’ também. Pelo plano para tirar o ensino público do ‘pior dos mundos’, conforme Lula, e pelo que ele disse na solenidade de sua apresentação.
O Estado considerou ‘exemplarmente digno’ o trecho da fala em que o presidente admite que não é o mais indicado para ensinar como resgatar a educação. O jornal ainda cobriu de elogios a iniciativa de Lula de convidar os ex-ministros do setor, entre eles o tucano Paulo Renato, para contribuir com o programa.
‘A história do governo Lula seria outra se ele tivesse assumido com esse enfoque’, especula o editorial. A história da avaliação do governo Lula também seria outra se a mídia o julgasse com mais equilíbrio e menos parti-pris. Não poucas vezes, a imprensa reage a Lula na base do ‘não li e não gostei’, ou do ‘atirar primeiro e perguntar depois’.
Agora, ao tomar um importante fato político-administrativo da área federal pelo seu valor de face, o Estadão marcou um ponto e tanto. Nem pelos elogios em si ao presidente e ao plano do seu ministro Fernando Haddad, mas pelo que o levou a isso: a apreciação isenta e honesta de um e de outro, numa situação específica.
Um comportamento ‘exemplarmente digno’.
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