Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Ofensa à dramaturgia

No Estado de S.Paulo, dia 14 de junho: ‘O líder do PL, Sandro Mabel (GO), fez um pronunciamento exaltado em que chamou o presidente do PTB, Roberto Jefferson, de ‘mentiroso’ (…)’ e acusou ‘o petebista de ‘estar fazendo teatro diante do Brasil’.’

No Bom Dia Brasil da TV Globo, dia 15 de junho, José Genoíno admoestou-nos: ‘Que a opinião pública não aceite que um acusado faça um teatro político na Câmara dos Deputados para fazer acusações irresponsáveis, mentirosas e caluniosas contra o PT e os seus dirigentes’.

No Estado de Minas, 14 de junho: ‘O deputado Antônio Carlos Biscaia (PT-RJ), acompanhando o depoimento do deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), no Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara, disse (…): ‘Roberto Jefferson é um deputado que não merece credibilidade. Ele fez um teatro e acabou confirmando um crime: o de receber R$ 4 milhões para campanha eleitoral’.’

A corrupção da palavra ‘teatro’ e da noção de teatralidade invadiu a mídia. Ninguém se dá ao cuidado, sequer, de avisar que estamos empregando a palavra em sentido pejorativo. Teatro é mentira mesmo! Seria o caso de acionar os nossos dispositivos politicamente corretos e denunciar que os atores, no palco, manifestam a verdade, usando a máscara do talento.

Mataremos nossa sede

No teatro, hipocrisia é virtude. O ator, encenando o obsceno, sendo o que não é, mostra o avesso da bela sociedade, as entranhas, as vísceras, o funcionamento secreto das paixões. O teatro opera o contrário da hipocrisia. Denominar de teatral aquele que faz caras e bocas, gestos e olhares é uma ofensa à dramaturgia. O que não nos impede de afirmar que o deputado em questão esteja representando muito bem o seu papel.

Nada contra a política como teatro. Os políticos são excelentes atores quando nos convencem de um mundo melhor. E nós aplaudimos. Acreditamos. Sonhamos. Vivemos a estética da esperança.

A tragédia, a comédia, os bastidores, o pano que cai. O sangue de mentira que faz rasgar e explodir o coração. O vestido de noiva, os fantasmas, ser ou não ser, a partilha, a ópera do malandro, a gota d’água!

O poeta Murilo Mendes dizia que, no apocalipse, mataremos nossa sede de teatro. Diante de nós, sem pudor, sem medo de esquecer suas falas, os atores dialogam, xingam, improvisam. Representam com ardor a vida como ela é. Assistimos de camarote. Muitos querem vaiar!

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Doutor em Educação pela USP e escritor. Web: (www.perisse.com.br)