Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Eu não esqueço

Quero aproveitar um trecho do texto de Mauro Malin, neste Observatório [‘O mensalão revisitado‘], antes de tecer meus comentários:

‘Os meios de comunicação precisam ter uma concepção clara de seu papel de prestadores de serviço público. São um dos poderes da República. Fazem boa política ao cumprir seu papel de esclarecer fatos, trazer à luz elementos necessários às tomadas de posição dos cidadãos. Para realizar sua tarefa, devem dedicar tempo e meios.’

Creio indiscutível a assertiva de que os meios de comunicação são um dos poderes da República; por esta razão, as críticas que se dirigem ao Executivo, ao Legislativo e ao Judiciário poderiam na maioria dos casos ser dirigidas também ao que já foi muitas vezes chamado de ‘o quarto poder’.

Uso mesquinho

O potencial da mídia – no sentido mais amplo que a palavra possa ter – é enorme; em alguns casos até ingenuamente, inocentemente, inconscientemente, injeta (ou introjeta) formas de pensar na cabeça dos indivíduos, o que em curto prazo reflete-se na vida em sociedade. Para isso, basta ver as escolas, públicas e particulares ou, melhor dizendo, seus profissionais, pagando um enorme preço justamente pela completa e total desvalorização do saber. Aprender, conhecer, entender, refletir, nada disso pode ter valor de uso quando idéias prontas e acabadas são expostas cotidianamente em rádios, TVs, jornais, revistas, painéis publicitários, sítios da grande rede mundial, panfletos publicitários domésticos ou entregues em faróis etc. etc. etc.

A escola perde função. Usa quatro ou cinco horas por dia indo na contramão do mundo exterior, que ocupa as outras 19 ou 20 horas de nossas crianças e adolescentes. Se as crianças e adolescentes, de modo geral, apresentam esse desinteresse, isso é indiscutivelmente culpa das gerações que colaboraram ao longo do tempo para que a sociedade chegasse a tal situação; se estas gerações não tiveram – e não têm – capacidade ou discernimento para verem o sentido em que caminhavam…

E isso explica muita coisa; explica por que o ‘quarto poder’ pode ser usado, tal qual os outros três, do modo mais mesquinho possível. Isso explica por que os meios de comunicação – porção consistente do que chamei de mídia – agem dentro dos mesmos parâmetros do estado de direito, democrático representativo: beneficiando apenas uma parcela da sociedade, preocupado com poucos, em defesa de restritos interesses.

Papagaios de pirata

O caso atual – o tal do ‘mensalão’ ou as denúncias de corrupção na ECT e no IRB – ajudam, mais uma vez, àqueles que querem enxergar, a verdadeira face dos meios de comunicação. E, com isso, abandono o barco de Mauro Malin porque não acredito os meios de comunicação como uma instituição apta a um ‘papel de prestadores de serviço público’, nem creio que procedam de forma a ‘cumprir seu papel de esclarecer fatos, trazer à luz elementos necessários às tomadas de posição dos cidadãos’: concordo, mas desencantado, apenas com sua cobrança.

Vejo nos meios de comunicação uma poderosíssima ferramenta de alguns setores privilegiados da sociedade para convencer os cidadãos a tomarem posições convenientes aos interesses destes setores. E é por isso que, mais uma vez, resolvi recorrer ao Observatório da Imprensa, que pretende e procura cumprir a missão de levar a imprensa – ou o que possa haver de jornalístico nos meios de comunicação – ao objetivo de ‘cumprir seu papel de esclarecer fatos, trazer à luz elementos necessários às tomadas de posição dos cidadãos’. Embora, repito, haja desencanto de minha parte.

Aos fatos:

A política é indiscutivelmente o campo em que os fins justificam os meios, não adiantam sofismas, e aqui não vai nenhum juízo de valor: não aplaudo esta verdade, mas ela é verdade, fato! Então, é risível a atuação (no sentido teatral) da imprensa em julgar escandaloso o ‘mensalão’, tratá-lo como fenômeno exclusivo do atual governo, como tipicamente brasileiro, genuinamente nacional. Parece querer forçosamente provar algo aos chamados ‘formadores de opinião’ (que também podem ser chamados de ‘papagaios de pirata’). E isso pode ser em conseqüência de inúmeros motivos: opção partidária quase escandalosa (um jornal e uma importante revista brasileira), ‘toma-lá-da-cá’ (típica de vários dos jornais mais lidos do Brasil), ou ‘se todos estão dizendo, não sou eu que vou ser tonto dizendo o contrário’ (típico de uma poderosa ‘organizações’ brasileira).

Mudaram as moscas

Não fosse por quaisquer destas razões, algum organismo de imprensa de forte influência junto aos ‘papagaios de’… quero dizer, junto aos ‘formadores de opinião’, resgataria do baú alguns casos (e não precisa nem ser tão do fundo), como a suposta compra de votos para a aprovação da emenda da reeleição, em 1997, confessada por Ronivon Santiago e João Maia, acreanos do PFL, partido da chamada ‘base aliada’ de FHC. Ambos foram expulsos do partido, houve uma forte ‘operação-abafa’ contra a CPI, os dois renunciaram aos mandatos e, assim, não prestaram depoimento sequer á Comissão de Ética da Câmara dos Deputados. Acusaram, antes, deputados de outros partidos e…

Painel, Caderno Brasil, Folha de S.Paulo, 21/5/97

Dedo no gatilho

‘Vou explodir isso aí’, ameaçou Ronivon Santiago, no intervalo do depoimento à comissão de sindicância da compra de voto. Citou Luís Eduardo, Serjão e Benito Gama como alvos de sua ira caso pague o pato sozinho.

Luís Eduardo (falecido), líder do governo FHC, Sérgio Mota (também falecido), ministro das Comunicações mas aríete de FHC na articulação política, e Benito Gama, líder do PFL, principal partido de sustentação de FHC à época. E FHC ficaria no poder por mais cinco anos.

Para o bem da verdade. Para entender que há um esgotamento do modelo político, mostrando que só mudaram as cores (ou as moscas).

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Professor da rede pública