A socióloga Alzira Alves de Abreu diz que a imprensa acompanha, na divulgação das novas denúncias de corrupção, o que é produzido pela esfera política, onde cada vez mais se usa a moral como arma de combate. Ela acha importantíssimo o papel da imprensa, mas constata que ela às vezes cai no denuncismo, que leva à condenação de pessoas inocentes.
Alzira sente falta, em alguns casos, de um conhecimento melhor da história do país e do sistema político por parte de jornalistas. E constata que existe hoje uma dupla competição: entre os meios de comunicação e entre os políticos que os abastecem de informações.
A socióloga, que trabalha no CPDOC (Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil) da Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro, publicou em 2002 o livro A modernização da imprensa (1970-2000), no qual há um capítulo chamado “o jornalismo investigativo e o denuncismo”. Ela deu ao Observatório da Imprensa a seguinte entrevista.
Como a senhora, que estudou uma evolução de várias décadas, acompanha o trabalho da mídia nesta nova sucessão de escândalos?
Alzira Alves de Abreu – A minha visão deste momento político é que a imprensa está simplesmente reproduzindo aquilo que está ocorrendo no meio político. Ela não está inventando nada. Às vezes me preocupa muito esse frenesi de dar notícias acusando todo mundo. Isso não parte da imprensa. A imprensa está sendo chamada para dar apoio ao que a Polícia Federal, os procuradores, a Justiça estão querendo mostrar – que os políticos, na verdade, estão querendo mostrar, uns contra os outros.
Hoje a política está nessa disputa, usando muito a moral para acusar o adversário. A imprensa vai nesse roldão. Ela continua botando lenha na fogueira. Isso às vezes me preocupa muito. Eu acho importantíssimo o papel que ela tem de divulgar fatos, acontecimentos, dar informações à população para que ela possa ter conhecimento do que se passa, mas ao mesmo tempo às vezes ela entra num processo de usar o denuncismo. Isso é meio problemático. Podem ser denunciadas pessoas totalmente inocentes.
Que mecanismos poderiam ser usados dentro de uma redação em que o comando, a equipe toda está imbuída de um espírito de trabalhar para melhorar a situação do país? Um jornalismo, como algumas pessoas chamam, de intervenção, que se considera uma instância da cidadania e diz: Não vamos nos limitar a reproduzir, nós queremos entender as raízes. Como ela poderia avançar? É óbvio que ela não vai fazer um trabalho como o que Sérgio Buarque de Hollanda fez, ler quatrocentos livros e escrever um ensaio.
A.A.A. – Os jornalistas precisavam conhecer um pouquinho mais da história do país, do sistema político, para poder atuar melhor. Às vezes a imprensa é usada. Um político passa a informação, ela joga isso no ar, sem uma avaliação, sem uma pesquisa mais em profundidade. Em alguns momentos. Não estou dizendo que isso é sempre, nem que eu sou contra a divulgação de informações. Só que precisaria haver um pouco mais de avaliação, talvez. Principalmente quando eu vejo esses escândalos, isso me assusta um pouco.
É bem conhecido o mecanismo de manipulação desse tipo de coisa. Não é novidade. Os casos de Ibsen Pinheiro e Alceni Guerra já têm mais de dez anos.
A.A.A. – Pois é. A imprensa cometeu um erro desses com o Ibsen, depois teve que voltar atrás, o homem foi condenado pela sociedade, depois pede lá desculpas, “Não foi bem isso”, e continuamos vendo esse tipo de coisa sendo feito. Isso me assusta. O jornalista às vezes deveria estar mais bem informado sobre a construção daquilo, e dar um peso maior ou menor àquela informação. Se não, como vemos, o escândalo é todo dia.
Sua pesquisa não mostrou que o acirramento da concorrência induz a isso?
A.A.A. – Isso hoje é muito claro. O jornal, a revista, a televisão, o rádio precisam vender, precisam vender anúncios, têm que estar na frente, têm que correr. E também há uma competição muito grande entre os políticos. O político hoje precisa estar na imprensa. Hoje, mais do que nunca, ele precisa estar diante das câmeras. Há uma disputa dos dois lados.
Uma disputa quase que cruzada.
A.A.A. – E o jornalista entra nisso, às vezes, sem ter muita noção das conseqüências que serão produzidas. Um político quer queimar o outro, um partido quer queimar o outro, passam informações escandalosas, e o jornalista bota isso em primeira página. Antes o escândalo não existia assim. Existia entre pessoas, familiares, era privado. Desde que existe mídia, virou um escândalo público. E cada vez se acentua mais.
Embora não possamos dizer que existe mais corrupção hoje do que ontem.
A.A.A. – Não. Ela hoje está mais visível.
Em certa medida, a própria existência de um regime democrático abre essa possibilidade para os contendores.
A.A.A. – Abre a possibilidade de se colocar mais à mostra tudo aquilo que o poder político sempre quer esconder. E a imprensa está interessada em mostrar.
Ver também ‘Golbery, Armando Falcão e o ´off´‘.