Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O Michael Jackson brasileiro

A intuição é uma faculdade humana que anda em fase de sobrecarga de solicitações. Basta abrir um jornal ou ligar a TV para saltarem por cima de nós episódios dramáticos sobre os quais a pessoa deve ter uma opinião. Espero que a chamada maior virtude do espírito, a intuição, não entre em colapso.

Tome-se o caso do cantor pop americano e o de nosso tenor de óperas bufas que na semana passada apresentou-se em Brasília, o deputado Roberto Jefferson. Cada um deles traz em si um oceano de questões não inteiramente respondidas; são elas perguntas graves, plenas de conseqüências fundamentais para cada um de nós e o mundo moderno.

A velocidade das comunicações do mundo online em que vivemos parece esfregar-nos no nariz um caleidoscópio de acontecimentos.

Relativismo moral

Aí estão nossos filhos adolescentes a precisar de orientação moral e política. Por menos em moda que estejam conselhos paternos ou maternos a criança quer compartilhar com os pais sua perplexidade. Antes de termos tempo de julgar conclusivamente o tsunami de informações constantemente a chegar-nos aos olhos e ouvidos há menores precisando por um mínimo de ordem no quadro que presenciam sacudidos por revelações crescentemente escandalosas.

A força da mídia é descomunal, eis um fenômeno constantemente em renovação. Da Califórnia esses últimos meses fomos servidos em prato cheio, lembrando pantagruélicas porções de comida americana, do tipo McDonald’s triplo ou milk-shake extra-large. Um campeão mundial de venda de CDs capaz de eletrizar multidões, inclusive por conta de uma dupla personalidade à beira da esquizofrenia, indo da libido do exibir-se à libido da absoluta privacidade. Até do Sol Michael Jackson foge para que seus raios não afetem o tingimento da pele. Para uma figura tão estereotipada e no mundo da crescente propaganda gay em que vivemos, a opinião pública parecia não duvidar de que o cantor era mesmo culpado das acusações de pedofilia.

Em seguida veio outra fase, foi a vez de se pôr em dúvida a honra de quem acusava o cantor. E logo se encontrou podre neles também. Finalmente o júri popular absolveu Michael Jackson por falta de provas. Ninguém me tira da cabeça que o ânimo predominante entre os jurados foi o do relativismo moral dos dias que correm, e como a corte precisaria de provas, o relativismo prevaleceu. Horas depois de sair considerado inocente do tribunal em Santa Mônica atribui-se ao pobre cantor a declaração de que não mais dormiria na mesma cama com seus ‘sobrinhos’…

Torcida certa

Diante da notícia recorri a minha velha intuição, que não encontrou nenhuma grande descontinuidade entre o que conheço do popstar e o vício de fazer a corte a garotinhos. Não tenho tempo de fazer mais do que isso, eu precisava julgar, pelo menos para efeito intermuros em minha casa.

E o Brasil com isso tudo?, dirá o leitor já impaciente. Por aqui a semana foi um arrastão de noticias sensacionais. Nossa mídia trabalha sobre um ambiente ciclotímico, pois nós brasileiros oscilamos entre a torcida e a vaia, sem entretons. Na terça-feira, 14 de junho, o país parou para assistir ao show de Roberto Jefferson. A média do cidadão carioca é politizada: enquanto os taxistas paulistanos malufam, o motorista dos amarelinhos no Rio costuma ser politizado, analisa antes de torcer. É também conhecido o talento dos cariocas para a oratória. A Belacap já vem desde Lima Barreto devidamente catalogada numa fauna a misturar tipos humanos que vão do marginal ao angélico, todos a se servirem de um português bem lubrificado que soa fluido ao ouvido. Roberto Jefferson acrescenta uma extraordinária velocidade de raciocínio e uma torre de refrigeração movida a água para termostato de seus nervos.

O homem-bomba apresentou-se com a tranqüilidade de quem já não espera salvar seu mandato por confessar receber quatro milhões sem recibo. O homem-bomba sabia contar com a torcida da audiência tucana e pefelista, loucos por crucificar o petismo. O homem-bomba sabia contar com a população brasileira cansada dos políticos. Pois para a mídia e o mau humor geral da população é como se não tivessem existido os Mario Covas, os Franco Montoro. Os paulistanos viviam o festival de questiúnculas de trânsito e calúnias quando Luiza Erundina implantou uma administração honesta nas compras da Prefeitura de São Paulo.

Ainda é cedo

A grande imprensa brasileira já foi capaz de levar Getúlio ao suicídio e de arrancar a liberdade democrática de governo a Jango. Mais adiante os mesmo jornalões esquentaram as Marchas da Família com Deus pela Propriedade que desembocaram no golpe de 64.

Se a revista Veja desse aos safáris da raposa Serjão Motta atrás de votos no Congresso, entregando em troca rádios e outros favores – se a poderosa Veja fosse tão implacável como é com Zé Dirceu FHC não teria aprovado as reformas. Dos neofariseus no PFL não é preciso falar.

Ainda é cedo para entender exatamente as acusações de Roberto Jefferson. Por exemplo, eram ‘mensalões’ durante a campanha municipal em 2004? Mas era de se esperar de Dora Kramer, em ‘Um crime continuado’ (Estado, 16/6/05), que não tentasse igualar o crime pontual do PT – para fora, lembre-se – com o crime sistêmico observado no governo Collor. A missão de PC era ordenhar todas as privatizações, as concessões públicas, as compras oficiais etc. Quem duvidar deve ler Notícias do Planalto, de Mario Sergio Conti.

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Diretor de organização do Terceiro Setor, Salvador