Tuesday, 26 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A mídia e a mulher de César

Não tem pai nem mãe, como se diz nas redações, a matéria do Estado de hoje segundo a qual ‘sob pressão de setores do PT’, o presidente da Radiobrás, Eugênio Bucci, colocou o seu cargo à disposição.

Matéria sem pai nem mãe é aquela que até pode ser verdadeira, mas não contém elementos suficientes para parecer verdadeira.

O texto assinado pelo repórter João Domingos, de Brasília, afirma que os tais ‘setores do PT’ acham que a estatal (4 rádios, 3 TVs e 2 agências noticiosas) deveria ser mais governista. E por isso gostariam que Bucci fosse substituído por alguém disposto a torná-la ‘um instrumento mais dócil aos interesses do governo’.

Decerto esses setores existem, embora a notícia não dê ao leitor a mais remota idéia de onde se localizam e, principalmente, qual a sua capacidade de influir nas decisões do Planalto.

Além disso, nada nas declarações de Bucci ampara a reportagem. Ao contrário, como nela se lê, o jornalista ‘nega estar sendo pressionado’ para pedir o boné. É claro que o desmentido, em si mesmo, não prova nem desprova coisa alguma.

De qualquer forma, o leitor é levado a crer em algo que, na melhor das hipóteses, não passa de especulação: o nexo entre os interesses atribuídos a abstratos ‘setores do PT’ e o fato de um servidor do governo ter colocado o cargo à disposição neste momento de transição entre um mandato e outro.

Notícias fosfóricas desse gênero aparecem toda hora na mídia. Por escassez de controles editoriais ou por excesso de confiança nos seus autores.

O resultado não é propriamente lisonjeiro para quem as divulga.

Afinal, para merecer credibilidade, a imprensa tem que ser como a mulher de César: não basta que seja honesta; precisa parecer honesta.

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