As reviravoltas registradas no caso da menina inglesa desaparecida em Portugal e no da mãe grávida baleada no Paraná mostram que a imprensa também pode acabar tendo que pagar parte do preço de tentativas fracassadas de manipular a opinião dos leitores, por parte de suspeitos delitos.
Ambos os casos mostram como é possível criar versões que acabam sendo assumidas pela imprensa, sem um mínimo de verificação e checagem, porque os jornais estão mais preocupados em montar histórias capazes de emocionar os leitores para aumentar tiragens.
O caso de Madeleine, desaparecida na Praia da Luz, sul de Portugal em maio, vai custar caro à imprensa britânica que embarcou de corpo e alma na versão dos pais da menina de que ela poderia ter sido seqüestrada e morta.
Os tablóides sensacionalistas londrinos faturaram alto explorando a imagem dos pais, jovens e bonitos, vivendo um suposto drama familiar, explorado em mínimos detalhes. Até o Papa Bento XVI chegou a fazer apelos pela vida de Madeleine, de quatro anos.
Agora é quase certo que a família sabia que a menina não fora seqüestrada, nem muito menos assassinada e que provavelmente morreu acidentalmente num episódio ainda não explicado. Aparentemente os pais estariam tentando ocultar um descuido fatal ou um descontrole emocional da mãe.
A policia portuguesa vinha levantando esta hipótese há semanas, mas não foi levada a sério pela imprensa britânica que não ocultou um certo ar de desprezo pelos detetives e repórteres lusitanos.
No caso paranaense, também esteve em jogo uma tentativa de manipular a opinião publica, quando Patrícia Cabral, grávida de quatro meses, levou um tiro na barriga e se apresentou como vítima num assalto a uma loja de conveniências, em Curitiba.
O disparo não atingiu o feto e o parto normal de Patrícia, em setembro, mereceu inclusive cobertura especial nos telejornais da Globo. Agora crescem as suspeitas de que ela foi cúmplice e não vítima no assalto.
A imprensa embarcou nas histórias montadas por Patrícia e pelos pais de Madeleine porque a preocupação em emocionar leitores foi mais forte do que o dever de verificar os fatos. As incongruências e contradições foram minimizadas em favor do apelo comercial.
A manipulação de fatos e versões por suspeitos e acusados é um fato cada vez mais comum e mais sofisticado, já que muitos envolvidos usam técnicas e profissionais especializados na produção de imagens simpáticas ao público. Este não é obviamente o caso de assaltantes de postos de gasolina, mas é rotina nos delitos do colarinho branco e nos mensalões da vida.
Se a imprensa se deixa levar por casos mais simples como os da menina inglesa e da grávida paranaense sem duvidar das versões apresentadas, até mesmo pela polícia, o que dirá de situações mais complexas onde poder e dinheiro estão envolvidos.