Você já imaginou o que aconteceria se os eleitores brasileiros pudessem publicar tudo o que sabem sobre nepotismo, corrupção e uso indevido de dinheiro público no Senado federal?
Bem, é difícil imaginar mas pelo menos uma coisa já é possível prever: o volume de informações que seria colocado à disposição do público seria maior do que o coletado por repórteres de jornais, revistas e emissoras de radio e TV.
Não é que os jornalistas sejam incompetentes ou desinteressados. Acontece que o número de leitores e espectadores é muito maior e a soma do que eles sabem é muito, mas muito mesmo, superior à capacidade operacional dos jornalistas.
Tudo bem, diriam alguns, mas as pessoas comuns não têm onde publicar o que sabem. Até pouco tempo, isto era verdade, mas a popularização da internet democratizou e diversificou as ferramentas de publicação.
São os blogs, os fóruns, os comentários postados em páginas web e o twitter. Na sua maioria são quase gratuitas e podem ser usadas a partir de qualquer uma das 70 mil LAN houses espalhadas pelo país, inclusive nas favelas.
Noutras partes do mundo estão se multiplicando as experiências de produção colaborativa em reportagens investigativas. O primeiro caso famoso foi o do blog Talking Points Memo, que em maio de 2007 pediu a ajuda dos seus leitores para destrinchar um documento de 3.000 páginas sobre um escândalo entre procuradores da justiça norte-americana.
O trabalho foi feito em 24 horas e incluiu até mesmo repórteres de grandes jornais que se ofereceram como voluntários, porque também eles viram as vantagens do esforço coletivo para identificar os pontos chaves de um relatório em linguagem jurídica.
Mais recentemente, o jornal inglês The Guardian também recorreu aos seus leitores para conferir quase meio milhão de páginas contendo recibos de despesas feitas por membros do parlamento britânico, para identificar gastos indevidos ou fraudes. O jornal abriu uma página especial no seu site na web onde publicou todos os documentos digitalizados e deu instruções sobre como identificar fraudes.
Quase 23 mil ingleses se inscreveram e na primeira semana de funcionamento da investigação coletiva 200 mil páginas já tinham sido revisadas por leitores. O jornal está publicando periodicamente os resultados da checagem dos recibos. O interessante é que as denúncias de fraude por parte dos parlamentares britânicos surgiram primeiro, no Daily Telegraph, mas foi o The Guardian que transformou o assunto numa grande reportagem.
Num post anterior, falei sobre o caso da rede pública de rádio (NPR) dos Estados Unidos que pediu a ajuda de leitores para identificar lobistas presentes a uma sessão da comissão do Senado norte-americano encarregada de fiscalizar o exercício do lobby político no Congresso.
Exemplos como esses mostram que é possível desenvolver projetos de investigação coletiva baseados na colaboração entre leitores e jornalistas. Equipamentos existem e não são caros. Temas de interesse público nacional a serem investigados também não faltam. O que ainda não surgiu foi a vontade política, tanto das redações como dos leitores, de levar adiante uma empreitada como esta.
É certo que existem vários problemas a superar, como uma possível avalancha de denúncias sem base concreta, manobras diversionistas de suspeitos, manipulação de resultados, influência de interesses políticos nas redações e por aí vai.
Mas será que as redações ainda não perceberam que esta é talvez a melhor estratégia para reconquistar a fidelidade dos leitores num momento em que a imprensa perde público por conta das mudanças provocadas pela internet no contexto informativo da sociedade contemporânea?
Será que os executivos da mídia nacional são tão teimosos que preferem ignorar alternativas já testadas na Europa e Estados Unidos para não arriscar saídas mais audazes para uma crise que afeta a todos, produtores e consumidores de informação?