Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Recordar é morder (a língua)

Saulo de Castro Abreu Filho, secretário de Segurança de São Paulo, entrevista para a IstoÉ que começou a circular no sábado passado (12/8): ‘O PCC já está desfalecendo. Você acha que não há criminosos que hoje estão nos contando como as coisas funcionam? Eles perderam as expectativas, tanto que a idade de quem está cometendo atentados é cada vez menor‘.


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Situação mais difícil no interior paulista


Uma dos fenômenos de que não se tem notícia nos principais jornais paulistas é o do agravamento dos problemas criminais em cidades do interior do estado. Várias razões levam a esse desconhecimento. Não serão discutidas aqui. Fica o registro de mais uma reportagem da Tribuna Impressa, de Araraquara, ignorada nos jornais da capital. Indiretamente, pela ação do PCC, mostra um quadro preocupante.


Copyright Tribuna Impressa


Facção espalha panfletos de ‘esclarecimento’


Cláudio Dias


Panfletos atribuídos ao Primeiro Comando da Capital (PCC) foram encontrados por dois dias seguidos em Matão. Um homem foi detido com o material, mas não passou qualquer informação. Em sua casa havia uma carta de um preso da Penitenciária de Araraquara. O caso está sendo tratado com cautela pela polícia, que evita comentários. A mensagem, denominada “Nota de esclarecimento do PCC”, critica a imprensa e diz que, apesar de a facção usar a força para combater as supostas injustiças, antes, usa o diálogo, segundo o folheto.


De acordo com a facção, o documento pretende esclarecer o motivo dos ataques ocorridos nos últimos dias. A imprensa é criticada porque estaria veiculando notícias de acordo com seus interesses e ainda privilegiando o Governo. O folheto, com diversos erros gramaticais, ainda descreve que a facção não visa ao lucro material nesta luta, mas avisa que sacrificará integrantes para que a lei seja cumprida. Para os membros do crime, todos são reféns do sistema. Na quarta-feira, alguns panfletos impressos em gráfica foram encontrados jogados próximo a uma escola de Matão. O material foi apreendido e policiais acreditavam se tratar de um trote de estudantes. Mas anteontem um homem de 26 anos foi parado, em uma abordagem de rotina, e mais 267 folhetos foram encontrados. A pessoa não tem passagem criminal. Na sua casa, os militares encontraram uma carta de um preso de Araraquara – está sendo investigada a ligação entre eles – e uma balança de precisão com a sigla PCC.


O caso foi levado à Delegacia de Matão, que registrou a ocorrência como averiguação de apologia ao crime. O capitão Humberto Gouvêa Figueiredo, comandante da PM na cidade, diz desconhecer por que o material estava em Matão.


A Tribuna apurou que há na cidade seis integrantes da facção com laços no presídio de Araraquara. Inclusive, um matonense foi detido há cerca de 45 dias arremessando um celular para dentro da penitenciária. Na ocasião, ele admitiu que se arriscava para quitar uma dívida de R$ 10 mil com o partido.


A panfletagem seria uma forma dos integrantes ficarem quites com a facção. Valmir Granucci, delegado Seccional, preferiu não polemizar. Ele afirma que um inquérito foi aberto para apurar a participação do crime organizado na cidade. O rapaz detido foi liberado. Já o tenente-coronel Lúcio José Gonçalves, comandante do Batalhão regional da PM, acredita que os panfletos sejam mesmo de integrantes da facção.’


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O susto do corpo carbonizado


A TV Globo montou a edição do Fantástico que se iniciou com uma reprise editada do vídeo do PCC (13/8) sob a pressão da descoberta, no fim da noite de sábado (o jornalista Portanova e o auxiliar técnico Calado haviam sido seqüestrados nessa manhã), de um corpo carbonizado.


A Folha Online deu a notícia às 14h08, o site do Estadão às 15h46. Não havia como identificar imediatamente o corpo.


O texto da reportagem do Fantástico tem 9.596 caracteres. A descrição do crime, a libertação do auxiliar técnico e o resumo do ‘manifesto’ dos bandidos ocupam 3.644 caracteres. Explicações sobre a decisão de atender, na noite de sábado, a exigência dos seqüestradores (leia abaixo) ocupam a outra parte (5.952 caracteres).


Mais espaço para se explicar do que para tentar explicar o que aconteceu. Espaço dado para convalidar a decisão da empresa.


Só uma voz algo discordante é ouvida, a da jornalista Paula Eugenia Gobbi, presidente da Associação dos Correspondentes da Imprensa Estrangeira no Brasil, sediada no Rio.


No programa de televisão do Observatório da Imprensa de terça-feira (15/7) passada, o delegado Vinícius George, da Polícia do Rio de Janeiro, disse que a TV Globo não tinha como arriscar a vida de seu jornalista para fazer o que a sociedade brasileira e o Estado não conseguem fazer: enfrentar o crime organizado. É verdade. Uma verdade que deve ser escrupulosamente respeitada.


Isso não significa, porém, que a decisão adotada tenha sido estritamente, ‘tecnicamente’, a mais adequada para preservar a vida do repórter.


Primeiro, porque a emissora não podia ter certeza de que a palavra dos bandidos era confiável. Comunicou o fato à Polícia, ouviu a opinião policial, mas decidiu agir segundo seus próprios critérios. Ficou num espécie de tête-à-tête com os bandidos. 


Segundo, porque ainda que se pudesse confiar na palavra dos bandidos sem realizar algum tipo de negociação, pedir provas de vida do repórter, etc., a situação poderia, hipoteticamente (uma hipótese remota, mas não totalmenteo descartável), ser usada por uma das organizações inimigas do PCC para colocar os meios de comunicação, a população e o Estado contra o grupo. Como? Descobrindo o cativeiro do rapaz e assassinando-o. Um massacre do PCC, inclusive nas prisões, seria então aceito e aplaudido pela opinião pública.


E, claro, não resolveria o problema do crime organizado, apenas enfraqueceria um de seus ramos.


Um atributo positivo teve a atitude da Globo: ignorou se ajudava a A, B ou C no processo eleitoral. No filme da exploração eleitoral da violência não há mocinhos.


Mas estará se iludindo quem achar que, com a divulgação do vídeo e a libertação do repórter, a situação está bem encaminhada. O que certamente vai acontecer, de imediato, esperemos que não de modo permanente, será uma retração da iniciativa dos jornalistas. Por amor à própria pele, sentimento que se espera de qualquer ser humano em condições ‘normais’.


Menos informações, menos elementos para a população se orientar, novas dificuldades para o exercício da democracia, criadas, insista-se, pela violência do crime organizado e pela incompetência policial, judicial, prisional.


Eis o texto do Fantástico (a parte explicativa):


A divulgação de mensagens de grupos criminosos ou terroristas é uma situação difícil vivida em várias regiões do mundo, principalmente em países em clima de guerra ou rebelião. Para tomar a sua decisão, a TV Globo ouviu especialistas internacionais em segurança de jornalistas.


Para o respeitado International News Safety Institute, com sede em Bruxelas, em situações de prazos exíguos e quando não há compromisso dos bandidos com a vida humana, a postura correta é ceder.


O repórter conversou por telefone com Luiza Rangel, coordenadora do instituto para a América Latina. Ela concordou que é preciso preservar a vida do jornalista.


No Rio, a presidente da Associação dos Correspondentes da Imprensa Estrangeira no Brasil, Paula Eugênia Gobbi, comentou a decisão.


´Eu entendo que a empresa de comunicação fez isso para tentar salvar a vida do repórter. Mas que assenta um precedente muito alarmante para todos nós jornalistas, eu acho que sim´, disse ela.


Já a presidente da Associação dos Correspondentes Estrangeiros de São Paulo, Verónica Goyzueta, não tem dúvidas. ´Achamos que era a única atitude que poderia ter tomado. Acho que o mais importante nesse momento era garantir a vida do repórter´, afirmou.


Em Atlanta, nos Estados Unidos, a Globo conversou com Tim Crocket, da empresa AKE, especializada em administração de riscos e segurança. Para ele, o caso é grave demais, a Globo não teve escolha e agiu corretamente.


Quando foi informada pela TV Globo da exigência dos seqüestradores, a polícia recomendou que se evitasse ou pelo menos adiasse a divulgação do vídeo. Mas o diretor do Departamento de Investigações sobre o Crime Organizado, delegado Godofredo Bittencourt, disse que nos casos de seqüestro, a polícia respeita a decisão das famílias. Ou das empresas.


Sobre o seqüestro, a TV Globo divulgou na manhã deste domingo uma nota explicando a sua decisão:


´A emissora relata que, tão logo soube da exigência dos seqüestradores, consultou o International News Safety Institute (INSI), instituto especializado em segurança de jornalistas, com sede em Bruxelas, ao qual a emissora é filiada desde a fundação.


Luiza Rangel, de Caracas, coordenadora do INSI para a América Latina, disse que em situações como a que a TV Globo viveu ontem, com prazos exíguos e quando não há dúvidas sobre a falta de compromisso dos bandidos com a vida humana, a postura correta é ceder às exigências, dando antes ciência à polícia sobre o conteúdo do que irá divulgar.


A emissora conta que também ouviu Tim Crocket, chefe do escritório de Atlanta do The Ake Group, uma empresa especializada em gestão de riscos e segurança com escritórios nos Estados Unidos, Reino Unido, Austrália, Paquistão e Iraque. Ele deu a mesma orientação: naquelas condições, não havia alternativa´.


A TV Globo relata que ainda ouviu Tom O´Neil, consultor do escritório do Ake Group, no Líbano, especializado neste tipo de ação. O´neil repetiu as recomendações.


Na nota, a TV Globo diz que a sua idéia inicial era tomar uma decisão em conjunto com as entidades de classe do setor no Brasil, mas isso foi impossível numa noite de sábado.


A TV Globo explicou na nota que, inexistindo dúvida sobre o risco real que o repórter Guilherme Portanova sofre, e não havendo tempo para uma decisão em conjunto com seus pares, decidiu mostrar o conteúdo do DVD à polícia e exibir o vídeo.


A emissora anunciou também que decidiu convocar as entidades do setor para que a situação seja discutida por todos e que os próximos passos sejam decididos em conjunto.‘ 


Ler também: ‘O evidente despreparo‘.


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