Nos próximos sete anos os brasileiros serão bombardeados por uma verdadeira avalancha de informações esportivas. Começa com a Copa do Mundo do ano que vem na África do Sul, continua em 2012 com as Olimpíadas de Londres e com o Copa do Mundo de 2014, no Brasil, para chegar ao clímax em 2016, com os Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro.
A cada dois anos teremos megaeventos esportivos alimentando a linha de produção de notícias e de espetáculos criada pela mídia mundial. É uma sequência invejável do ponto de vista comercial, que funcionará como bálsamo para as angústias da imprensa brasileira provocadas pela crise do modelo de negócios da indústria de jornais.
O bombardeio midiático tendo o esporte como pretexto colocará a prova a capacidade de o público separar o que a atividade física representa para cada um de nós em matéria de equilíbrio biológico, do avassalador crescimento da indústria das competições, dos lucros quase obscenos da transformação de atletas em ícones do consumismo esportivo.
O esporte contemporâneo tornou-se um espetáculo que alimenta uma indústria multimilionária cujos valores e objetivos não têm mais a remota ligação com o comportamento dos atletas na Grécia antiga e que são hoje invocados como os criadores do chamado espírito olímpico, sintetizado no lema “o importante é competir”.
Esta indústria do espetáculo usa o discurso dos valores e comportamentos anteriores à era cristã para justificar a mais radical comercialização do esporte jamais vista no planeta.
Por isso soa ridículo ouvir os cartolas do Comitê Olímpico Internacional tecer loas ao espírito olímpico no evento da escolha do Rio de Janeiro como sede dos jogos de 2016, ao mesmo tempo em que nos bastidores do COI acontecia uma guerra nada olímpica em torno a interesses comerciais e políticos.
O juramento dos atletas, tradicional na abertura de jogos, transformou-se numa peça non sense quando todo mundo sabe que a maioria esmagadora dos competidores vai a uma Olimpíada com a cabeça no marketing pessoal. Que as medalhas servem apenas para compor as fotos que ilustrarão a primeira página dos jornais e a abertura dos telejornais, pois o prêmio mais desejado são os contratos de publicidade.
Nada contra os atletas disputarem patrocínios ou prêmios. Só não fica bem usar a hipocrisia do espírito olímpico para justificar a guerra de foice por dinheiro. Nada contra as empresas jornalísticas oferecerem cada vez mais informações sobre campeonatos e esportes olímpicos, mas soa irônico quando associam esses eventos a valores sociais.
A transformação do esporte em atividade comercial empurrada pela indústria cultural dos meios de comunicação acontece justamente numa conjuntura social e econômica na qual a atividade física tornou-se essencial à manutenção do equilíbrio biológico e orgânico de seres humanos afetados pelos males do sedentarismo compulsório.
A era digital generalizou a tendência à automação e ao trabalho intelectual, obrigando cada vez mais pessoas a não exercitar músculos e articulações ósseas. O esporte tem assim um papel social insubstituível. Até a economia contemporânea sofre, e vai sofrer cada vez mais, com a ausência de atividades físicas regulares.
Mas a indústria cultural, da qual fazem parte multinacionais como Adidas, Nike, os conglomerados midiáticos e toda a multidão de empresas promotoras ou patrocinadoras de eventos e atletas, preferem apostar no esporte como competição, com vencedores e vencidos.
Investem tudo na produção em massa de ídolos, superatletas que são verdadeiras maravilhas biológicas, embora todos saibamos que o fim da obesidade representa muito mais para o futuro da humanidade do que os recordes mundiais e as medalhas de ouro.
Enfim, não se trata de ser do contra ou pessimista. Nem de tentar minimizar o simbolismo da escolha do Rio como sede das Olimpíadas de 2016. O evento terá efeitos positivos na vida do país, embora ainda seja incerto como a conta dos jogos será paga.