O repórter Cristiano Romero, da sucursal de Brasília do jornal Valor, diz que as nuances da discussão das metas de inflação não são uma discussão meramente técnica, mas afetam a vida cotidiana da população. Romero chama a atenção também para a situação em que ficou o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles: ele reporta-se diretamente ao presidente da República, mas ficou enfraquecido em relação à época de Antonio Palocci na Fazenda. Palocci apoiava de modo muito categórico a política antiinflacionária do Banco Central.
O que realmente é importante acompanhar desse debate sobre metas inflacionárias, as política diferentes do Banco Central e do Ministério da Fazenda?
Cristiano Romero – Alguém poderia dizer que o debate econômico no Brasil evoluiu muito. Afinal, a grande polêmica da semana foi justamente uma diferença de meio ponto percentual entre a meta de inflação de 2009, ou seja, daqui a dois anos, defendida pelo Ministério da Fazenda, e a meta menor, de quatro por cento, defendida pelo Banco Central. De fato, isso é verdadeiro, ou seja, o debate evoluiu. Nós não estamos mais falando de descontrole inflacionário. Nós estamos falando da definição de uma meta para daqui a dois anos. E sempre lembrando que a inflação já está abaixo da meta desde o ano passado. É uma discussão importante. Ela não parece importante para as pessoas mas na verdade ela é, porque ela traz algumas sutilezas, algumas nuances. E uma delas é a seguinte. O Brasil adotou em 1999 o regime de metas para a inflação. O país trocou a âncora; tinha uma âncora cambial e passou a ter como âncora, agora, a taxa de juros. Regulada por um sistema de metas de inflação. Mas esse regime é um regime de administração de expectativas. Quando o Conselho Monetário Nacional fixa uma meta de inflação para um determinado ano, o mercado fica sabendo que o Banco Central vai perseguir aquela meta no tempo estipulado. Significa que o mercado – não é só o mercado financeiro, mas o mundo real, o setor produtivo – sabe que o Banco Central fará tudo para trazer a inflação para aquela meta. A empresa sabe com antecedência que não pode reajustar preços de maneira descontrolada porque o Banco Central vai forçar a economia a baixar a inflação, ou seja, vai ter um custo alto se ela fizer isso. Como é um regime de administração de expectativas, é muito estranho, e daí o Banco Central ter entrado nessa discussão de maneira vigorosa, o fato de o Brasil já ter hoje uma inflação inferior à meta – no ano passado a inflação foi de 3,1 por cento; neste ano, 2007, a expectativa é de que ela fique em torno de 3,6; e no ano que vem a expectativa é que ela fique em torno de 3,9 – e, ao se fixar a meta para daqui a dois anos, prever um aumento da meta. Não necessariamente a inflação aumentará, pelo fato de a meta ser mais alta. Mas o fato é que se está dizendo para o mercado o seguinte: Olha, vamos ter aí um espacinho para ter uma inflação maior.
Isso é o que chama a atenção nesse episódio?
C. R. – Exatamente. É evidente que parece uma discussão meramente técnica, mas não é.
O senhor falou também do jogo político entre Banco Central e Ministério da Fazenda.
C.R. – Houve um debate muito acirrado no governo em torno disso, um debate entre Banco Central e Ministério da Fazenda, cujo resultado é o seguinte. Independentemente da decisão técnica – acabou que no final adotaram uma decisão salomônica: a meta oficial é 4,5 por cento, mas que o Banco Central poderá perseguir a meta de 4 por cento. meta que desde o início ele gostaria de ter para 2009 –, foi dito também que na verdade o regime de metas está passando por uma mudança. Ou seja, o Banco Central não terá mais que perseguir uma meta central, uma meta definida. Ele terá um intervalo de 2,5 a 6,5 por cento para procurar a sua meta. Enfim, é algo que ainda precisa inclusive de esclarecimentos. Mas a nuance importante, política, que a gente tira dessa disputa entre Banco Central e Fazenda é que hoje você não tem mais – nem o Banco Central é o todo poderoso que ganha todas as disputas no governo e nem a Fazenda consegue impor as suas decisões ao Banco Central. E também há uma novidade, porque o Banco Central historicamente sempre se reportou ao Ministério da Fazenda. E isso, com o ministro Guido Mantega na Fazenda e Meirelles no Banco Central, já não é mais verdadeiro.