Publica-se hoje (5/1) no Estado de S. Paulo crítica à estréia da minissérie JK. A maior preocupação do texto é avaliar se o primeiro capítulo funcionou para capturar ibope. Nessa linha, o convencionalismo estético vira virtude. Com o álibi paradoxal da popularização da História do Brasil: “O conteúdo, disposto a levar até a massa um trecho significativo de sua história (ou ao menos despertar nela a fome de informações), não pode se dar ao luxo de dispensar os moldes convencionais do entretenimento televisivo nem de abrir mão de algum didatismo para alcançar público tão grande e heterogêneo”.
Ou seja: os clichês e exageros seriam justificados pela necessidade de “levar até a massa um trecho significativo de sua história”. Mas o trabalho historiográfico está fraquinho, apesar da assistência de Ronaldo Costa Couto, bom e honesto conhecedor da História do Brasil. A preocupação principal da crítica logo emerge: “A audiência respondeu bem”.
Interesse histórico
Mas suponhamos que o interesse em “levar até a massa um trecho significativo de sua história” esteja de fato presente em alto grau. Nada melhor, para isso, do que mostrar como o presente e o futuro têm relação com o passado. Digamos que seria uma boa técnica.
Daí o interesse que assume a constatação, feita no primeiro tópico desta série, de que o Banco Rural, grande parceiro do valerioduto, tem uma origem empresarial muito vinculada a JK. E aprendemos com a atual presidente do banco, Kátia Rabello, em entrevista, que seu avô, Jacques Corrêa Rabello, fez a Pampulha quando Juscelino Kubitschek era prefeito de Belo Horizonte (nomeado, como eram todos os interventores estaduais e prefeitos no Estado Novo).
Sabemos que uma obra de ficção não tem obrigação de ser estritamente fidedigna. Além disso, a História não é algo que tenha transitado em julgado. Sempre a revisitamos com os olhos de hoje. Que são os nossos. Mas voltamos assim à oportunidade aberta para a minissérie JK, que será ou não desperdiçada. Sua maior ou menor qualidade historiográfica tem repercussão, e no Brasil isso é dramático, política e cultural.
Veja-se que vinculação interessante fez um leitor em comentário para este blog:
“BH foi o laboratório para Brasilia. Na sua construção, com o avô de JK, iniciou-se a parceria entre as metalúrgicas, as construtoras e o serviço público. BH foi erigida para fazer frente ao avanço de SP; não conseguiram (obviamente, segundo Paul Singer) e ainda destruíram Juiz de Fora e toda a sua Zona da Mata, pois em apenas três anos (de 1894 a 1897) torraram o equivalente a três décadas de impostos gerados pelo café, ou 2 milhões de libras esterlinas; torraram 37 mil contos de réis em três anos e 250 mil contos de reis em 25 anos. JK nasceu e cresceu politicamente neste ambiente; fez seu teste na modernização de BH e travou a batalha final com Brasília. Os dados estão por aí; quem quiser, basta procurar na Fundação João Pinheiro. Não tenho a menor dúvida que a estrada foi aberta com BH, pavimentada por Vargas e sistematizada com Brasília. Valerioduto é apenas uma tentativa de substituir as empreiteiras pela publicidade”.
Informo ao leitor que estou à procura de historiadores e de outros intelectuais que tenham informações sobre o assunto. Caso essa linha de articulação se confirme, será melhor mudar o título do tópico. A Novacap não seria, no contexto jusceliniano, o início, mas o meio do caminho até o valerioduto.
Contra a ditadura
É mais ou menos consenso que JK, inadvertidamente, deu uma contribuição ao advento da ditadura militar. Mas foi depois uma vítima dela. Golpeado de maneira covarde e torpe. Veremos como a minissérie tratará o episódio de seu depoimento a um suboficial num IPM (Inquérito Policial-Militar). Eu ouvi uma versão contada pelo falecido Evandro Carlos de Andrade. Segundo Evandro, uma humilhação verbal teria feito JK sair de lá decidido a se matar. José de Magalhães Pinto, governador de Minas Gerais que conspirara ativamente para o golpe, soube que Juscelino estava armado e praticamente o pôs no avião para o exílio.
Muitos episódios dramáticos foram transformando JK em um dos símbolos da resistência à ditadura. Até hoje sua morte, em 1976, não foi esclarecida. Carlos Castello Branco ouviu dias antes, e publicou no Jornal do Brasil, um boato antecipado sobre a morte de JK num acidente, boato que o deixou, e a seus leitores, de orelha em pé.
O Estadão publica hoje, junto à crítica do seriado, uma carta de Maria Estela Kubitschek Lopes, filha adotiva de JK, dirigida a ele, a D. Sarah e à irmã, Márcia, também falecida. O tom é amorosamente apologético. Não cabe à filha fazer um balanço crítico. Muita gente boa torcerá com ela para que a minissérie cumpra da maneira mais competente o papel que dela espera Márcia: “Tenho certeza de que será o resgate de sua vida e sua obra, que tentaram apagar fazendo com que você sofresse as amarguras do exílio e todas as perseguições”.
Juscelino Kubitschek gostaria de saber que nenhum outro presidente brasileiro, depois dele, foi levado ao exílio.