O Congresso entra em recesso na sexta-feira, 17, depois de um semestre memorável. Foi a primeira vez que as suas duas casas, primeiro a Câmara, depois o Senado, foram devassadas pela imprensa em um mesmo período.
Devassa exaustiva? Nem de longe. O leitor do Observatório terá encontrado nas últimas semanas um bom número de artigos sobre as omissões da cobertura da atual temporada de escândalos parlamentares – além da proverbial questão que não quer calar: por que os jornais só agora destrincharam malfeitorias crônicas do Legislativo, como os abusos com as verbas indenizatórias e a farra das passagens aéreas, que não eram propriamente segredos de Estado?
Isto posto, é importante manter as coisas em perspectiva. Não foi por iniciativa própria que a imprensa expôs uma parte do que os tapetes do Congresso mal escondiam. Soube-se pelos próprios jornais, aliás, que partiram dos políticos contrariados com a volta de José Sarney pela terceira vez à presidência do Senado as dicas sobre a sua proveitosa sociedade de 14 anos com o diretor geral Agaciel Maia.
Mas o que seria do jornalismo investigativo sem o desejo de vingança dos políticos ou burocratas que levaram a pior em confrontos na chamada intimidade do poder?
[De vez em quando, é bem verdade, testemunhas desinteressadas, ou melhor, interessadas na defesa da moralidade, também procuram repórteres para vazar episódios de corrupção, mas raramente elas estão por dentro das coisas tanto quanto aqueles a quem as circunstâncias levam a entregar seus rivais no jogo de que uns e outros participam.]
De toda maneira, seja porque as suas fontes sabiam o que diziam, seja porque o reportariado não as seguiu cegamente, mas tratou de conferir se as confidências recebidas eram sérias, o resultado foi literalmente respeitável.
Na Câmara, o castelão Edmar Moreira perdeu a corregedoria, e alguns paliativos foram adotados para tornar menos opacas as contas de suas excelências e restringir as emissões de passagens aéreas.
No Senado, o barão Agaciel Maia perdeu o feudo depois que a Folha revelou que ele tinha escondido da Justiça uma mansão de R$ 5 milhões, e corre o risco de perder o direito à opulenta aposentadoria que o espera se for até o fim o inquérito sobre os atos secretos de que é acusado e dos quais o país ficou sabendo graças a um furo do Estado.
Mas o que vai entrar mesmo para os anais é a liquidação moral de Sarney pelo mesmo Estadão. Menos pelas nomeações, favorecimentos e tráfico de influência por atacado a favor da parentela e da cupinchada amiga [sem falar do auxílio-moradia recebido indevidamente, garimpado pela Folha] do que pelos desdobramentos do escândalo do desvio de R$ 500 mil do R$ 1,3 milhão do patrocínio da Petrobras à fundação que leva o seu nome.
Foi uma bela cena de jornalismo. No dia em que o Estado revelou os pagamentos a empresas fantasmas e a emissoras da família, Sarney teve a má ideia de dizer em plenário que não tinha nenhuma responsabilidade administrativa pelos atos da fundação que ele criara para perpetuar a memória da sua carreira política iniciada em 1952.
Duas edições depois, em 11 de julho, os repórteres Rodrigo Rangel e Leandro Colon mostraram que, pelos estatutos da entidade, ninguém ali detém tanta autoridade quanto o seu presidente vitalício, com poder de veto sobre as decisões do conselho curador de que também é presidente, cabendo-lhe, entre outras atribuições, “assumir as responsabilidades financeiras” da fundação.
Em suma, o jornal o apanhou numa grossa mentira à qual não se imagina como sobreviverá no comando do Senado, apesar do apoio até aqui incondicional do presidente Lula e da tropa de choque comandada por Renan Calheiros que o blindará no Conselho de Ética da casa.
Segundo uma teoria, o segundo semestre será outro jogo, dominado pela CPI da Petrobras. Vai depender da imprensa e do espírito de manada que a guia quase sempre. Matéria-prima, em todo caso, não faltará.
Apenas o debulhamento dos 663 atos secretos que Sarney “anulou” já poderá desbastar o caminho para novas histórias bigodudas sobre os subterrâneos do Senado. E tem o filão das suas relações com o negociante Edemar Cid Ferreira, do falido Banco Santos.
A imprensa termina este primeiro tempo da cobertura dos podres do Congresso com um feito incomum: nenhuma de suas revelações foi desmentida pelos implicados. Com esse retrospecto, a última coisa que dela se espera é que entre em recesso.