Chega a ser difícil de admitir que fatos como os relatados por Roberto Cabrine tenham passado despercebidos perante os olhos de pais, professores e amigos das vítimas e ficado restritos às quatro paredes da casa paroquial por tanto tempo.
A cidade de Arapiraca, no agreste alagoano, é cenário de crimes de pedofilia envolvendo padres e os jovens da cidade, em especial seus coroinhas. Cabrine lista três deles na reportagem: monsenhor Luiz Marques, monsenhor Raimundo Gomes e monsenhor Dílson Duarte todos de paróquias vizinhas.
Um dos jovens entrevistados, hoje com 21 anos, afirma que se submetia às luxúrias paroquiais desde os 12 anos. Outro jovem entrevistado, desde os 14 anos. Afirma-se, na reportagem, que paroquianos como o motorista, a governanta, dentre outros que pertenciam à intimidade paroquial, tinham conhecimento das práticas sexuais que se praticavam na sacristia e além, e faziam chacota da situação.
Arapiraca possui 200 mil habitantes. Como que ninguém tomou conhecimento? Ninguém se pronunciou? Nenhum pai, professor, ninguém tomou conhecimento, como é possível?
Denúncia surge 24 anos depois
Segundo o jornalista Alberto Dines, desteObservatório, o caso apresentado noSBT Repórter obteve idêntica repercussão na imprensa. Por que? É dele a resposta, retirada de outro artigo: ‘Esta é uma das centenas de não notícias que uma imprensa engajada e assumidamente confessional como a nossa não se sente obrigada a publicar’ (Dines, A. 30/03/2010).
Mais que engajamento, este procedimento é de cumplicidade. A nossa ‘grande imprensa’ encobre crimes contra os jovens de uma cidade alagoana com o mesmo silêncio cínico que os paroquianos de Arapiraca. Seus ombudsmen seguem o mesmo ritmo do bispo dom Valério Breda, fazendo vista grossa a denúncia.
Todos são cúmplices. Todos são criminosos!
A pedofilia paroquial de Arapiraca se perde na lamaceira (mais uma da história secular da igreja católica) em que se meteu a Igreja e seus párocos.
Temos o famoso caso da Irlanda, onde ela se retratou recentemente, pedindo perdão (?). Cerca de 200 crianças surdas, no período de 1950 a 1974, sofreram abusos promovidos pelo padre Lawrence Murphy na Escola St. John´s para surdos. Tais fatos foram relatados somente em 1974 ao arcebispo de Milwaukee, William Cousins, chegando tais denúncias até o cardeal Ratzinger, o atual papa, sem nenhum efeito.
Mais uma vez a sociedade se cala. Crianças deficientes sofrem abusos sexuais na escola e ninguém tomou conhecimento. Ninguém percebeu mudança de comportamento nas crianças, ninguém se deu conta das predileções do pároco. Ninguém viu ou ouviu nada. Vindo a ser denunciado, sabe-se lá como, em 1974. Somente 24 anos depois!
O papel de fiscalizador
‘A Legião desmorona, ninguém noticia’! A tal Legião de Cristo, a que se refere o título indignado do jornalista Alberto Dines, é coisa de cinema em termos de influência real e literal (apoiou Mel Gibson na Paixão, segundo Gibson). Seu fundador, um queridinho do papa, segundoEl País, o padre Marcial Maciel (1920-2008), abusou sexualmente não só de seminaristas, mas também de seus três filhos, fruto de sua relação com duas mulheres. Marcial Maciel teve uma vida longa e próspera na igreja. No Brasil, vários e importantes membros da Igreja e admiradores, como os núncios apostólicos Dom Rocco e Furno, além do próprio cardeal Eugênio Sales.
Marcial Maciel chegou a ser denunciado em uma reportagem na TV mexicana. Os únicos punidos foram os seus denunciantes. A imprensa, mais uma vez se calou.
Neste momento começa o burburinho sobre uma tentativa de estigmatizar a igreja católica ‘como se fizeram com os judeus no passado’. Ou seja, já se montam um álibi no sentido de direcionar a culpa sobre aqueles que denunciam. Ou seja, uma contra-reação àqueles que contestam o poder religioso que a Igreja católica unge. Nesta operação de blindagem, preserva-se o a santidade do papa e da Igreja católica. Pois, como afirmam seus defensores, são casos isolados. Isolados, sim, e por anos acobertados por todos.
Pedofilia é crime! Crime contra incapaz é crime e no Brasil é crime hediondo.
Neste caso, como em todos os outros se espera que a imprensa cumpra o seu papel de fiscalizador, com o mesmo zelo que ela faz (ou diz que faz) com o governo federal. Só que dessa vez com imparcialidade, ouvindo naturalmente os dois lados e respeitando o contraditório.
‘O que preocupa não são os gritos dos maus, mas o silêncio dos bons’ (Martin Luther King)
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Psicólogo, Curitiba, PR