Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Na defesa por mais cassações, Folha e Estado maltratam a verdade em editoriais


A Folha de S.Paulo e O Estado de S.Paulo de hoje trazem editoriais com o mesmo título: ‘Apenas o começo’, ambos se referindo à cassação do mandato de Roberto Jefferson (PTB-RJ), na Câmara dos Deputados.



Além do título, coincidências e contradições monumentais pontuam ambos os textos. A coincidência central é que ambos os jornais esperam que a suspensão de direitos políticos não pode se limitar a Jefferson.



Diz a Folha de S.Paulo:



‘É importante agora que a Câmara dê seguimento ao processo de depuração ora iniciado. É fundamental que os demais legisladores acusados de participar do chamado ‘mensalão’ e de outros esquemas de corrupção também sejam destituídos’, diz a Folha.



A primeira contradição monumental é que a afirmação da Folha colide com o que está escrito no relatório que sugeriu o afastamento de Jefferson – e que foi aprovado para consumar sua cassação –, no qual se aponta que um dos principais motivos da ‘quebra de decoro’ foi justamente o fato de Jefferson não ter conseguido provar a existência do mensalão.



O Estado de S.Paulo, mirando especificamente no Poder Executivo, prevê dificuldades para seguir com o ‘processo de depuração ora iniciado’ citado pela Folha:



‘Os percalços só aumentarão quanto maior for a disposição da banda sadia da Câmara de expurgar os políticos que não só se deixaram corromper pelo esquema petista, como também praticaram atos de corrupção em instâncias da administração federal direta e indireta. E quanto mais as apurações se voltarem para o Planalto, em busca da principal questão ainda por esclarecer de forma cabal: a origem da dinheirama gerida pela dupla Delúbio-Valério, sob orientação superior’, acrescenta. ‘A esta altura, respeitados escrupulosamente os procedimentos indissociáveis do estado de direito, nada pode ser invocado para circunscrever as investigações. E nenhum gabinete da República deve ficar fora de seu alcance’.



A primeira da contradições do Estado é que seu texto de opinião contraria a regra de que nada cabe a decisões da Justiça, senão cumpri-las. O jornal desvirtua essa regra, apesar da defesa pelo respeito escrupuloso dos ‘procedimentos indissociáveis do estado de direito’.



Em outro trecho o jornal diz ainda:



‘É verdade que, também nesse dia, o saneamento da instituição parlamentar foi afetado por um ato do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Nelson Jobim, apontado como aspirante ao Planalto. Numa interferência, talvez politicamente motivada, nos assuntos do Legislativo, ele concedeu a 6 deputados do PT ameaçados de cassação uma liminar que adiará a abertura do processo contra eles no Conselho de Ética da Câmara, se o plenário do STF não cassá-la. José Dirceu já entrou com pedido do mesmo benefício e os 11 outros que lhe fazem companhia no relatório das CPIs devem se valer do mesmo estratagema’.



O trecho acima serve como parâmetro para exemplificar como as empresas que controlam os jornais fazem uso de dois pesos e duas medidas. Primeiro, a intenção maliciosa do complemento ‘apontado como aspirante ao Planalto’, colado ao nome de Jobim. Porque o jornal apenas cita a aspiração do presidente do STF, sem explicar quais benefícios ele obteria com a decisão, é a pergunta que fica sem resposta. Segundo, o erro de informação com a afirmação de que ‘José Dirceu já entrou com pedido do mesmo benefício e os 11 outros que lhe fazem companhia no relatório das CPIs devem se valer do mesmo estratagema’. Terceiro, que a mesma indignação manifestada pelos donos do jornal não se manifestou quando o mesmo STF interferiu no Poder Legislativo, determinando a abertura da CPMI dos Bingos.



Não, não se pretende defender o governo, muito menos o ex-ministro com a exploração dessas contradições. Mas uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Liminar não é ‘benefício’, mas sim um instrumento legal ao alcance de qualquer cidadão arrolado por processos judiciais. Tampouco é verdadeira a afirmação que ‘os 11 deputados que lhe fazem companhia (…) devem se valer do mesmo estratagema’. O editorialista autor do artigo e o diretor que lhe deu permissão para publicação não devem ter tomado conhecimento da informação de primeira página do O Estado de S.Paulo, onde se lê que o ministro do STF, Carlos Velloso, que não é aspirante a coisa alguma até o momento, estendeu ao deputado José Dirceu a mesma liminar concedida a seis deputados do PT no dia anterior. Os demais deputados que ‘lhe fazem companhia’ receberam da Mesa Diretora da Câmara – e não do STF – a extensão do mesmo prazo para defesa que foi concedido pelo STF .



Por fim, a palavra ‘estratagema’, que o jornal emprega para qualificar a liminar concedida. Segundo o dicionário Houaiss, ‘estratagema’ pode ter três significados. O primeiro, de uso no meio militar, significa manobra e plano gerado em guerras para enganar, confundir o inimigo; o segundo, significa plano ou esquema previamente traçado; o terceiro, qualquer ato ardiloso ou subterfúgio.



Resumo da ópera: o mesmo instrumento do estado de direito que o jornal diz que deve ser respeitado, também é interpretado como ato consciente dos envolvidos para ludibriar maliciosamente os inimigos. Essa mesma conclusão pode ser aplicada ao propósito do editorial. No caso, o inimigo é seu próprio leitor.