Pesquisa Datafolha recentemente divulgada dá conta de que 33% dos entrevistados consideram o desempenho de deputados e de senadores ruim ou péssimo. Uma pequena melhora em relação a resultados apurados um mês antes, quando o percentual era de 39%. O articulista daFolha de S.Paulo usa a conhecida adversativa e afirma: ‘Mas não se pode afirmar que há uma tendência de melhora da imagem do Congresso’. A matéria informa ainda que, nos últimos dez anos, a rejeição de deputados e de senadores flutuou na faixa de 30% a 40% e que, desde 2004, a taxa de aprovação varia entre 11% e 19%, estando hoje em 16% (ver ‘Rejeição cai, mas Congresso permanece mal avaliado‘, para assinantes).
Quatro dias depois, a mesmaFolha, publica matéria informando que ‘prestigiados senadores e deputados desistem de concorrer à reeleição este ano’ (ver ‘Bancada do `cansei´ avança no Congresso‘, para assinantes). A desistência de cerca de 12% dos atuais senadores e deputados de disputar a reeleição nas próximas eleições tem sido objeto de comentários na grande mídia já há algum tempo.
O que chama a atenção do observador, no entanto, é que não se estabelece qualquer relação entre a primeira notícia – a má avaliação pública do Congresso Nacional – e a segunda – a desistência de políticos importantes de disputar a reeleição. E mais: não se estabelece qualquer relação entre o tipo de cobertura que a grande mídia vem fazendo das atividades do Congresso Nacional, ao longo de todos esses anos, e os fatos noticiados.
O tema não é novo, mas sua importância nos leva a tratá-lo aqui ainda mais uma vez (ver ‘Mídia e Congresso: Os riscos da cobertura negativa‘).
Cobertura negativa
Repito o que já escrevi: não há dúvida de que a grande mídia tem sido instrumento importante na revelação pública de ilícitos graves envolvendo representantes eleitos e, também, de altos funcionários do Congresso Nacional. Deputados e senadores têm estado envolvidos em atividades criminosas e/ou eticamente condenáveis. Procedimentos de investigação ou processos legais contra parlamentares correm tanto nas comissões de ética do próprio Congresso como nas instâncias competentes do judiciário.
Tudo isso é verdade.
No entanto, é inegável que a cobertura política que a grande mídia oferece das atividades diárias de 513 deputados, 81 senadores e milhares de funcionários do Congresso Nacional se reduz, quase que exclusivamente, a aspectos negativos. Ignora-se, na maioria das vezes, o trabalho sério e honesto realizado nas comissões permanentes e transitórias, nos debates em plenário, na aprovação de legislação e no cumprimento das diversas outras atribuições constitucionais das Casas Legislativas. Ignora-se, sobretudo, o papel fundamental – e insubstituível – que o Parlamento exerce no equilíbrio entre os poderes republicanos e, por óbvio, no funcionamento da democracia.
Faz todo sentido lembrar, uma vez mais, a constatação que a professora Maria do Carmo Campello de Souza (já falecida) fez sobre a cultura política brasileira ainda ao tempo da transição para a democracia, no final da década de 1980. Dizia ela:
‘O teor exclusivamente denunciatório de grande parte das informações (dos meios de comunicação) acaba por estabelecer junto à sociedade (…) uma ligação direta e extremamente nefasta entre a desmoralização da atual conjuntura e a substância mesma dos regimes democráticos. (…) A despeito da evidente responsabilidade que cabe à imensa maioria da classe política pelo desenrolar sombrio do processo político brasileiro, os meios de comunicação a apresentam de modo homogeneizado e, em comparação com os dardos de sua crítica, poupam outros setores (…). Tem-se muitas vezes a impressão de que corrupção, cinismo e desmandos são monopólio dos políticos, dos partidos ou do Congresso (…). (pp.588-9, passim)[cf. ‘A Nova República brasileira: sob a espada de Dâmocles’, in Alfred Stepan, organizador,Democratizando o Brasil, Paz e Terra, 1988].
Responsabilidades da grande mídia
As recentes constatações, relativas à persistente má avaliação do Congresso Nacional por parte significativa da população brasileira e a desistência de políticos importantes de buscarem a reeleição nas próximas eleições, não seriam uma boa ocasião para que a grande mídia fizesse uma avaliação de sua cobertura política e de suas responsabilidades sociais?
A insistência em mostrarapenas o que é negativo em relação à atividade parlamentar não levaria a ‘uma ligação direta e extremamente nefasta entre a desmoralização da atual conjuntura e a substância mesma dos regimes democráticos’?
Afinal, não é mais possível ‘fazer de conta’ que a grande mídia apenas ‘reflete’ o que acontece na sociedade e não tem qualquer responsabilidade na construção e manutenção da agenda pública de debates – e, mais importante, na imagem pública dos políticos e da política.
Sem abdicar do papel que se auto-atribui de fiscalizadora do poder – público e/ou privado – a grande mídia, até por coerência com as bandeiras que sustenta, deveria estar preocupada com sua responsabilidade na consolidação e manutenção da democracia. Ou não é esse seu compromisso fundamental?
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Pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor, entre outros, deDiálogos da Perplexidade – reflexões críticas sobre a mídia, com Bernardo Kucinski (Editora Fundação Perseu Abramo, 2009)