A sociedade capixaba acordou atordoada na segunda-feira (20/6) com as gravações reveladas na noite de 19/6 durante o Fantástico, programa da Rede Globo. Revelações que se configuram como o mais novo capítulo na conturbada novela em que se transformou a investigação do assassinato do juiz Alexandre Martins, executado a tiros em março de 2003.
Mais uma vez, o Espírito Santo só consegue destaque nacional com casos de corrupção e violência. A chamada da matéria em questão, no Fantástico, definiu o Espírito Santo como ‘um dos estados mais violentos do Brasil’.
Porém, mesmo com o destaque nacional no horário nobre de domingo da Globo, a matéria foi conduzida de forma equivocada, pois deixou no ar várias perguntas sem respostas, como é a prática do mau jornalismo brasileiro, que nunca se lembra de responder em seu lead a uma das perguntas básicas, o por quê. Vamos aos fatos:
A denúncia apresentada na Globo foi fundamentada em gravações telefônicas, feitas pela Polícia Federal, que mostram Rosilene Teixeira, mulher do juiz Antonio Leopoldo (acusado de ser o mandante do assassinado de Alexandre Martins), falando com o advogado Belline José Salles Ramos (preso há cerca de uma semana sob suspeita de envolvimento em esquema de sonegação fiscal e desvio de verbas que teria sido montado na cervejaria Schincariol) e com o empresário e suplente de senador Xyko Pneus (Xyko é suplente do senador Magno Malta, que presidiu a CPI do Narcotráfico).
Reportagem incompleta
Nas gravações fica clara uma estreita ligação entre Antônio Leopoldo, Belline e Xyko Pneus. Também fica subentendido que haveria um acordo entre os três e o desembargador Pedro Valls Feu Rosa (responsável, no Tribunal de Justiça do Espírito Santo, pelo processo que apura a morte do juiz Alexandre Martins), no sentido de evitar que o nome de Belline passasse a fazer parte do processo que apura a morte de Alexandre.
Vejam os trechos:
Trecho 1 (Rosilene fala com Belline e o ameaça de contar o que sabe).
R – Eu preciso falar com você, com o Chico hoje, com a maior urgência, ou resolve o problema de Leopoldo ou eu vou pra Gazeta hoje, e vou falar tudo o que eu posso falar.
Trecho 2 (Rosilene fala com Xyko Pneus e demonstra haver um acordo entre o empresário, o juiz Leopoldo e o advogado Belline).
X – Aqui em Brasília tá tudo combinado, tá tudo certo aqui…
R – Ele (Pedro Valls Feu Rosa) não tá do jeito que ele falou não, ele tá torturando meu marido, ele quer que Leopoldo ponha coisa ali, que não tava, que não pode colocar, que ele não sabe.
X – Aí não pode, nós combinamos de falar a verdade.
R – Pois, a verdade que ele (Pedro) quer, não é a verdade que Leopoldo sabe, você entendeu? Ele quer que Leopoldo crie uma verdade pra limpar barra de Tribunal, coisa que Leopoldo não fez.
Mesmo diante de denúncias tão graves, a reportagem não questionou o porquê de a Justiça, sabendo dessas gravações (de acordo com a Polícia Federal, as gravações haviam sido repassadas ao Tribunal de Justiça do Espírito Santo há mais de um mês), não ter ouvido Rosilene sobre tais afirmações. A reportagem também não questionou quando a Justiça a ouvirá.
A reboque
Outro ponto que não foi questionado na matéria foi o fato de que as gravações feitas pela PF acabam por colocar sob suspeição o próprio desembargador Feu Rosa, pois, conforme as declarações gravadas, haveria um acordo entre ele, o suspeito do assassinato (o juiz Leopoldo), o suplente de senador e o advogado (suspeito de outro crime, o caso Schincariol).
Neste ponto, deveria ter sido entrevistado um jurista de renome nacional, o ministro da Justiça, o presidente do STJ ou do STF para opinar. Afinal, um desembargador nesta situação tem imparcialidade para julgar o caso? A matéria também não questionou isso. Não seria o caso de federalizar as investigações? O repórter também não se preocupou com isso.
Também se faz necessário ressaltar que o Tribunal de Justiça do Espírito Santo já conhecia as gravações reveladas pela Globo há mais de um mês; e todo o conteúdo destas gravações foi mantido longe dos olhos e ouvidos da sociedade capixaba.
Vem à tona então uma outra preocupação, o fato de que se faz necessário que a mídia nacional comece a noticiar fatos relevantes sobre o Espírito Santo, para só então a mídia local passar a cobrir melhor a situação.
Limpeza difícil
Para alguns, isso demonstra que a imprensa capixaba está influenciada pelo governo estadual. Matérias que maculem a imagem do estado só viram notícia nos jornais locais quando saem na mídia nacional. Ou seja, quando não há mais alternativa, a matéria é publicada nos veículos locais.
E isso não ocorreu apenas no caso Alexandre Martins. Fato semelhante aconteceu dias atrás, quando uma matéria sobre o caos nas delegacias capixabas (superlotação, condições subumanas e outros) teve que ser divulgada pela Rede Bandeirantes, para só então virar notícia na mídia local.
Para grande parte dos jornalistas capixabas, isso mostra que o governo tem conduzido a máquina pública utilizando-se de muita campanha de marketing, dificultando ao acesso à imprensa (diversos órgãos estão proibidos de dar informações a jornalistas) e utilizando uma gigantesca rede de assessores que só servem, na maioria das vezes, para impedir que as informações corretas cheguem à sociedade.
Há muita coisa a se investigar no Espírito Santo, mas o difícil mesmo será limpar toda a lama que ficará espalhada na mente dos capixabas no momento em que a verdade vier à tona.
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Diretor de Jornalismo da Mais Comunicação