O pior resultado comercial para um mês de março nos últimos oito anos, um superávit de apenas US$ 668 milhões, foi tratado pela imprensa com notável sangue frio. Só um dos grandes jornais de São Paulo e do Rio de Janeiro, oEstado de S.Paulo, apresentou a notícia na primeira página. Mas nenhuma cobertura foi mais do que burocrática.
As seções de Economia limitaram-se a publicar os últimos números e algumas explicações, na maior parte oficiais. Ninguém mostrou suficiente interesse para oferecer ao leitor na sexta-feira (2/4) alguma informação mais detalhada, nem uma discussão sobre a tendência das contas externas do país.
Mas o saldo de março não foi um fato rotineiro, nem um mero ponto fora da curva. Desde o começo do ano as importações vêm crescendo bem mais velozmente que as exportações. O Banco Central (BC) projeta para 2010 um superávit de apenas US$ 10 bilhões, menos da metade do resultado obtido em 2009 (US$ 25,3 bilhões). Para o próximo ano o mercado financeiro prevê um modestíssimo saldo positivo de US$ 3,5 bilhões. Isso não é importante? Não vale uma discussão mais séria nas páginas de notícias?
Correção de rumo
O BC havia divulgado suas novas estimativas das contas externas na quarta-feira (31/3). No dia seguinte, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior anunciou a balança comercial de março. As projeções do BC apareceram no Relatório de Inflação, um estudo trimestral sobre a situação e as perspectivas da economia brasileira. A previsão, agora, é de um buraco de US$ 49 bilhões na conta de transações correntes em 2010. Essa conta é formada por três componentes: balança comercial de mercadorias, balança de serviços (onde entram viagens, fretes, seguros, pagamento de juros e remessa de lucros, entre outros itens), e transferências unilaterais (como o dinheiro mandado pelos trabalhadores no exterior).
A previsão para as transações correntes é feia, mas o buraco, segundo o BC, será coberto sem dificuldade pela soma de investimento direto, aplicações em carteira e outros financiamentos. Tudo bem, mas há uma novidade: o investimento direto previsto para o ano é insuficiente para compensar o déficit nas transações correntes. Em outras palavras: o fechamento das contas dependerá também de capital especulativo e de endividamento. Isso é claríssimo, mas esse detalhe não parece haver emocionado repórteres e editores de Economia. Assim como não se emocionaram nesse dia, não se abalaram o suficiente, no dia seguinte, para fazer a ligação entre as projeções do BC e a notícia fresquinha da balança comercial divulgada pelo Ministério do Desenvolvimento.
Mesmo o Relatório de Inflação foi pouco explorado, embora os economistas do BC tenham mostrado maior preocupação com a tendência dos preços. O quadro todo ficou mais claro do que na ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), publicada na semana anterior. Os jornais continuam reagindo segundo o padrão do mercado financeiro: como todos já dão como certa uma nova elevação dos juros, no fim de abril, qual a novidade do relatório?
Esse documento é, sim, muito relevante. Se a análise do pessoal do BC estiver correta, o crescimento econômico previsto para este e para o próximo ano será acompanhado da piora de alguns indicadores de peso. A questão é: as pressões inflacionárias e o déficit das transações correntes poderão comprometer a expansão da economia dentro de alguns anos? Como corrigir esses desajustes, em 2010 e em 2011, sem abortar o aumento da produção e do emprego?
Jornada de trabalho
Mas também houve, nos últimos dias, boas matérias fora da pauta rotineira, com informações para enriquecer a discussão de temas quentes. No domingo de Páscoa (4/4), a coluna de Vinícius Torres Freire, no caderno ‘Dinheiro’ daFolha de S.Paulo, descreveu o presidente Lula como banqueiro do ano. Entre dezembro de 2008 e fevereiro de 2010, o dinheiro entregue pelo governo a bancos estatais correspondeu a 51,7% do aumento do estoque de empréstimos. Em outras palavras, o endividamento do Tesouro foi a principal fonte de recursos para a expansão do crédito fornecido pelas instituições federais.
Na segunda-feira (5), oGlobo avançou no assunto: ‘Tesouro pode arcar com novo aporte ao BNDES’ foi a manchete da edição. Pode-se discutir se essa é ou não uma boa política, mas o risco não é desprezível. O retorno do dinheiro ao Tesouro é duvidoso e o seu envolvimento na atividade bancária poderá causar dificuldades ao próximo governo.
Também na segunda-feira, oEstadão informou a conquista de redução da jornada de trabalho por meio de negociações entre sindicatos de trabalhadores e organizações patronais. Em ano de eleições, ganha importância a proposta de emenda constitucional para diminuição do tempo de trabalho de 44 para 40 horas semanais. A matéria sobre as negociações sindicais abre perspectivas novas para a discussão.
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Jornalista