Enfim, como diria o poeta, os ‘longos soluços dos violinos do outono’ – as primeiras definições – clareiam a madrugada destes próximos embates. Aos seus lugares: Marina Silva (PV) vinda das florestas do Acre, parte de seus 16 anos de Senado e de frágeis 8% (segundo o Datafolha) e se lança, destemida e autêntica, na selva infinitamente mais hostil da disputa política; José Serra (PSDB) desce do muro em que, como bom tucano, parecia incrustado, entretendo-se, este sim, como no poema de Verlaine, em ferir as almas de outros tucanos, desesperados com olangueur monotone de seus negaceios – a que, afinal, já bem que deveriam estar acostumados… Dilma Rousseff tenta a mágica impossível de ficar ainda mais candidata de luz própria e, ao mesmo tempo, ser mais igual ao Lula. E Ciro Gomes parece que, estranhamente, de repente ficou sem lugar. Ou não?
As próximas eleições presidenciais renovam a questão insolúvel que delicia e empolga a nós todos, desde a turma dos palpiteiros de boteco da esquina até os analistas de pesquisas de opinião mais considerados: popularidade pode ser transferida? Mal comparando, é da mesma importância, nas discussões dos dogmas religiosos, do debate sobre a vida após a morte. Em termos concretos e atuais, Lula, das alturas de seus ‘nunca dantes na história deste país’ 76% de popularidade, conseguirá fazer a sua inusitada cria, Dilma, presidente?
Uma espécie de interino
As repúblicas democráticas, principalmente para aqueles que estão lá em cima, padecem de um sério defeito que é o de promover a alternância no poder. Até algum tempo atrás, não havia no Brasil, como sempre houve nos EUA, a figura da reeleição; Fernando Henrique Cardoso, o sábio, conseguiu que esta imperfeição fosse sanada, em parte, ao providenciar (segundo o PT, na época, ‘comprar’) a mudança na Constituição. A moda pegou e foram dois FFHHCC, dois Lulas, e muitos ‘dois’ governadores e prefeitos pelo país desde então. E tem gente que ainda acha pouco, mas as propostas de ‘mais um(ns) mandato(s)’, por parte de lulistas mais audaciosos, não prosperaram aqui como em outras plagas. Então…
Na impossibilidade de tornar-se papa (já que o Vaticano insiste em só eleger bispos), ou imperador (o poder de sedução do nosso presidente é imenso, mas não imagino um pretendente à coroa abrindo mão do trono), ouEl Presidente Vitalicio (Hugo Chávez Frías detém os direitos sobre a re-re-re-re-eleição), nosso príncipe eleitor tratou de colocar algum(a) alguém, uma espécie de interino(a), segurando a cadeira presidencial enquanto ele tira umas férias em Cuba, para voltar, daqui a quatro anos, para mais uma longa temporada.
Dizem que não era para ser a Dilma, afinal uma ilustre desconhecida – até hoje, só 5% dos apoiadores de Lula a conhecem como candidata do próprio (Folha de S.Paulo, 28/3). Mas o José Dirceu teve alguns problemas com a distribuição de remunerações complementares a políticos da base aliada e o ex-ministro Palocci preferiu sair de fininho depois de ser pego numa mentirinha à toa.
A arte da retórica política
Assim, vida que segue, sobrou para a ministra-candidata ser puxada pelo eleitor, numa brutal correria pelo país afora, inaugurando até sinteco de salão de sinuca, em acintosa campanha eleitoralavant le temps, que os juízes do STE preferem não ver, ou mostram um cartão amarelo amarelado de algumas multas, debochadas pelo presidente-infrator. Deixa pra lá, com a granítica popularidade acima dos 75% (Datafolha), 73±2 % (Vox Populi) e uma blindagem que o protege até das próprias bobagens, Lula ‘elege até um poste’ – chavão antigo repetidoad nauseam por todos os lulistas e boa parcela dos analistas na mídia.
Mas falta combinar com os russos, embora, no presente caso, os russos do Lula não sejam tão russos assim. O seu principal oponente, mesmo com a sua teimosia olímpica em (não)lançar a candidatura e cozinhando o galo (e a paciência) do governador de Minas (Vox Populi, 76±2 % de popularidade – maior do que a do Lula), que agora está de beicinho e finge que não quer mais brincar, vinha perdendo ‘pontos percentuais’ (aarrggghhhh!). Então, mesmo tendo o Serra colocado o bloco na rua, já seria tarde demais e bastaria esperar o tempo passar para o país ter sua primeira presidenta. (Os outros aspirantes, como o Ciro Gomes e a Marina Silva, são até bonzinhos, mas não chegariam a ameaçar a trajetória vitoriosa de Lula, digo, da Dilma.)
‘O cenário político é como as nuvens no céu, cada vez que você olha estão diferentes’, frase proferida por 11 em cada 10 políticos, mineiros ou não. Nada mais certo, neste momento. Os números-notícia pareciam realizar a vontade do nosso mestre: segundo toda a mídia, seis meses atrás, o então não-candidato Serra detinha invejáveis 35% e a não-candidata Dilma, nada além de 18% (CNI/Ibope). Aí, Lula passou a levar a mais-do-que-quase-candidata Dilma a tudo quanto é lugar onde pudesse contar com uma claque, e ‘vistoriar’ uma obra do PAC. Lula estava onde sempre preferiu estar (em cima de um palanque) e Dilma ia aprendendo a arte da movimentação e da retórica política – da qual Lula é realmente um gênio e um mestre.
Vaidade das vaidades
Uns 50 mil quilômetros e duas centenas de comícios depois, a coisa parecia fazer efeito. A enfim candidata Dilma ‘encostava’ no não-tão-a-fim-candidato Serra: 28% (Dilma) a 32% (Serra). Curiosamente, Serra caiu os mesmos 5% que Dilma subiu … (verFolha de S.Paulo, 28/2, e Datafolha). Vistos de um lado, parece que esta evolução significativa (o dobro de intenção de voto em pouco mais de seis meses) é uma espécie de relação causa-efeito, algo como se fosse uma lei natural: trabalha a tua candidatura e terás tua recompensa!
Já havia boatos na mídia, de que Dilma, por conta desta lei, teria ultrapassado Serra – prontamente desmentidos pelo senador Sérgio Guerra (PE), presidente nacional do PSDB (ver blog de Ricardo Noblat, 13/3).
A vingar esta ‘lei’, do jeito que a anda a carruagem, daqui a seis ou sete meses, já candidatafull time, Dilma deve ter uns 120% de intenção de votos e então nem vai precisar fazer eleições. Em estatística, este fenômeno chama-se regressão, que é uma espécie de previsão de que, se as coisas continuarem a se comportar deste jeito, podemos prever como estarão daqui a um certo tempo. É o tal deceteribus paribus, que faz com que todas as previsões dos economistas estejam certas e erradas ao mesmo tempo…
Por outro lado, a mosca na sopa do nosso mestre presidente é a seguinte: como é que pode um sujeito tão pouco ou nada carismático como o Serra, que inclusive, com PMDB, PFL e tudo, perdeu de 38% a 61% para o Lula em 2002, ostentar este percentual sem fazer ‘campanha’ nenhuma, sem fazer absolutamente nada – além de aparecer, com a cara mais sem-graça do planeta, no camarote da Daniela Mercury, no carnaval da Bahia? Será que é outra lei da Natureza, a lei da inércia? Se imóvel, insosso e inodoro assim, o cara está naquela altura, imagina quando ele começar a se mexer…
E, menos de um mês depois, veio o balde de água fria: ‘Datafolha breca o otimismo do governo’ (Folha, 28/3), Serra sobe para em 36% e Dilma ‘estaciona’ em 27%! E, antes que a tribo lulista possa xingar aFolha de tucana, vem o Vox Populi a confirmar: Serra 34%vs. Dilma 31%. Sem o Ciro, Serra sobe a 38%, Dilma some e chega de sibilações.
Aos seus lugares, sim, mas com a mesma vontade de sempre, de distorcer, bagunçar, enviesar, enganar, iludir, burlar… Afinal, o que importa é parecer e viva a democracia, ainda mais quando está a nosso favor. O número-notícia também mede a vaidade. E vaidade das vaidades, tudo é vaidade –vanitas vanitatum omnia vanitas, já acusava o Eclesiastes, milhares de anos atrás, e olha que FHC não era nem nascido.
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Engenheiro, professor da Universidade Federal de Juiz de Fora, MG