Estatelou-se a teoria de que as acusações – amplamente noticiadas na imprensa – à diretora da Anac Denise Abreu, a partir da entrevista de uma juíza à Folha de S.Paulo, constituíam uma espécie de esforço desesperado da mídia para vincular o governo à tragédia do Airbus da TAM.
O que os jornais do dia trazem hoje a respeito não são novas declarações da juíza Cecília Marcondes, do Tribunal Regional Federal de São Paulo.
Em fevereiro, ela revogou decisão de primeira instância contra o uso de Congonhas por aviões de grande porte. Baseou-se num documento que Denise e outros funcionários da Anac lhe apresentaram como se fosse uma norma de segurança adotada pela agência.
A falsa resolução – na verdade, um estudo – proibia o pouso em Congonhas, com a pista molhada, de aviões de qualquer porte que não estivessem com os reversores 100 por cento em ordem.
Se a norma técnica fosse verdadeira, o Airbus da TAM não poderia pousar em Congonhas no chuvoso 17 de julho.
E se a juíza não tivesse sido induzida a erro por um papel que tinha “presunção de vigor”, ou seja, aparência de valor jurídico, nas palavras do próprio o procurador da Anac, Paulo Roberto Araújo, provavelmente manteria a proibição que contrariara os interesses das aéreas.
A proibição citava especificamente dois tipos de Boeing e um Fokker. Em princípio, portanto, mesmo se mantida, não afetaria o Airbus 320. No entanto, especialistas do setor, falando com a condição de não serem identificados, admitem que, mais adiante, poderiam ser impostas determinadas restrições a esse modelo também.
Mas quem fala nos jornais de hoje, muito mais do que o procurador Araújo, é alguém escandalosamente insuspeito de querer o mal para o governo – o ministro da Defesa Nelson Jobim, nomeado pelo presidente Lula com carta branca para pôr ordem na aviação comercial brasileira.
Depondo à CPI do Senado sobre o apagão aéreo, anunciou – para espanto do presidente da Anac, Milton Zuanazzi, sentado ao seu lado – a abertura de processo disciplinar administrativo contra a diretoria da Anac “e vai examinar a necessidade ou não de requerer ao presidente da República o afastamento preliminar dos envolvidos.
Ele não citou nomes mas fez saber – e a imprensa publicou em “off” – que ele falava, em primeiro lugar, da doutora Denise.
Da Folha: “O objetivo é abrir caminho para a demissão da diretora Denise Abreu…”.
Do Estado: “A decisão é especialmente endereçada à diretora Denise Abreu e ao presidente da agência, Milton Zuanazzi.” E mais:
“A decisão de abrir o processo foi discutida pelo ministro com Lula durante um vôo entre São Paulo e Brasília, na terça-feira.”
Do Globo: “Piora a cada dia a situação de Denise Abreu…”.
P.S. O grande furo do Globo
Graças ao repórter fotográfico Roberto Stuckert Filho, o Estuquinha, como é chamado em Brasília, o Globo registrou, transcreveu – e deu em manchete – os e-mails trocados entre os ministros do Supremo Ricardo Lewandowski e Carmen Lúcia, a 3 metros de distância um do outro, enquanto o procurador-geral da República reiterava a sua denúncia contra os 40 acusados de mensalismo.
A manchete diz tudo: “Ministros do STF combinam e antecipam voto por e-mail”.
Pergunta de leigo: se não a combinação e a antecipação, ao menos a divulgação poderia ser invocada para invalidar qualquer decisão que o Supremo venha a adotar no caso?
P.S.2 A má escolha da Folha
Os editores do Cotidiano, da Folha, tinham três fortes assuntos para a primeira página do caderno:
1) a decisão de Jobim de investigar a mentira da Anac à Justiça;
2) a entrada da tropa de choque da PM na Faculdade de Direito de São Paulo para retirar três centenas de militantes de movimentos sociais e universitários;
3) o levantamento, exclusivo do jornal, mostrando que quase a metade dos vereadores paulistanos receberam doações do setor imobiliário.
Ganhou o quê? “Presa, falsa socialite confessa golpes no circuito de luxo de SP” – com matéria que ocupa quase toda a página.
P.S.3 A pequena rata do Estado
Legenda do jornal para uma foto do presidente Lula com o governador mineiro Aécio Neves, no Planalto:
“Não foi à toa que Lula convidou Aécio para encontrá-lo, antes da audiência com Jobim”.
Alguma vez um presidente já chamou um governador a palácio “à toa”?
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