Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Os mídiacidadãos e a educação para os meios

Quando, entre 1920 e 1930, o escocês John Baird, inspirado nas experiências dos seus antecessores suecos e alemães, faz as primeiras transmissões de imagens pelo ‘ar’, no objeto que alguns anos mais tarde receberia o nome de televisão, jamais poderia imaginar o que aquele secador de imagens por raios catódicos seria capaz de proporcionar ao seus espectadores. Uma década mais tarde, Alemanha e Inglaterra inauguram as primeiras emissoras de TV públicas. Depois foi a vez da Rússia, Estados Unidos, França e, em 1950, o Brasil entra na guerra pela audiência, com a pioneira TV Tupi.

Mais de meio século se passou, migramos do velho tubo para os receptores de plasma, LCD, convergência entre meios e veículos, bandas livres de televisão digital para transmissão dedicada em dispositivos móveis, blu-ray, aparelhos 3D, numa velocidade e voracidade tão grandes que consumidores e empresas produtoras de conteúdo, nem de longe, cansam de inventar desejos e prover soluções e novos produtos. Tudo para satisfazer uma fome insaciável deste ser que Baird, por mais visionário que tenha sido, sequer imaginou: o mídiacidadão.

Se por um lado este brevíssimo apanhado demonstra o conhecimento avançado do homem frente às possibilidades do meio, por outro, bem poderia nos fazer pensar no tal conteúdo. Aquilo que é produzido, midiado e consumido, embalado em luz, som, imagem, sedução, que chega a cada lar, para cada família, pronto para os mídiacidadãos, de todas as idades, beberem, comerem, sentirem, experimentarem, comprarem, enfim, viverem, em altíssima definição.

Os ‘patrulheiros de plantão’

Esta é a principal discussão que os países inventores da velha fábrica de doidos e outros, mundo afora, estão fazendo neste momento: qual é; o que é; para que serve; a quem serve; quais os efeitos; que resultados; como interagir; como ensinar e aprender a respeito e a partir deste tão desejado e consumido produto midiático: sua excelência, o Conteúdo.

Em países como Portugal, Chile, Espanha, Itália, Canadá, governos e sociedade criam regras e avaliam os efeitos da programação de TV oferecida ao público infantil, dentre outras iniciativas. Ministros da Educação estudam como incluir a alfabetização para os meios ou educomunicação no currículo regular das escolas públicas, tanto na educação infantil, quanto no ensino fundamental.

Outro tema que vem ganhando espaço na agenda internacional é a inclusão da regulamentação de conteúdo das emissoras de TV aberta, ou seja, definir regras claras que permitam a sociedade defender-se dos abusos praticados pelos veículos de comunicação, no avanço do marco regulatório das telecomunicações. Coisa que, aqui no Brasil, é até feio dizer. Com o risco dos novos ‘patrulheiros mercadológicos’ de plantão, tanto de esquerda, centro ou direita, de testa franzida e dedos em riste, imediatamente contraporem-se usando o desgastado e absurdo chavão do medo da volta à censura. Como se regulação das concessões de TV a partir de exigência de um projeto onde se possa avaliar o conteúdo daquilo que é oferecido e consumidos pelos midiacidadãos fosse uma espécie de pecado mortal.

Uma boa oportunidade

Uma provável saída para esse estado de coisas poderá emergir, quem sabe, quando os responsáveis pela educação brasileira – pais, comunicadores, pedagogos, professores, enfim, todos que acreditam a educação é o único meio capaz de tornar o mídiacidadão em cidadão de fato e de direito – entenderem que a imagem educa; que a televisão é capaz de educar; e que a internet educa também. Que é preciso definir a partir de um amplo debate quais conteúdos queremos produzir, consumir e oferecer aos nossos tão vorazes midiacidadãos, especialmente aqueles da mais tenra idade em pleno desenvolvimento cognitivo.

Depois de mais uma de final deBig Brother, temos aí uma boa oportunidade para pensarmos a respeito do conteúdo que produzimos e consumimos na e pela TV. Porque, de uma forma ou de outra, tudo isso, imediatamente após o consumo, em tempo real, ao vivo e a cores, é 100% educação.

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Mídiaeducador, publicitário, diretor de programas educativos para TV, autor dos livrosManual do Telespectador Insatisfeito, Summus, 1999, eAcorrentados a Fábula da TV e da Internet, Cortez Editora (no prelo)