A versão de que ao passar 28 dias presa por engano Sabrina Aparecida Marques ficou protegida de uma possível represália de traficantes, dada ontem pela inspetora Marina Maggessi, é mais um ponto na sucessão de histórias mal contadas pela Polícia carioca no caso do ônibus da linha 350 incendiado com passageiros presos dentro. E mais um episódio em que a mídia mostrou seu desnorteamento.
É um caso em que não faltam confusões: o homem acusado de mandar incendiar o ônibus, Anderson Gonçalves dos Santos, o Lorde, se entregou, apavorado, e sua namorada, Brenda Liser dos Santos da Silva, se apresentou e convenceu a polícia de que não participara do ataque.
A mídia ainda não conseguiu ter nesse episódio – como em tantos outros – um quadro claro dos conflitos entre facções de bandidos e da maneira como a polícia se coloca diante deles. Recebe as informações da polícia e as reproduz como chegam, o que deixa as chamadas autoridades livres para dizer, e principalmente não dizer, o que querem.
Uma das perguntas que não foram feitas, nem na época, nem agora, é: por que foram ignoradas, no depoimento dado por uma adolescente que teria participado do ataque, as técnicas mais elementares requeridas em sessões de reconhecimento? Ela viu uma fotografia e apontou Sabrina. Aconteceu há um mês. Anteontem (5/1), a versão dada no Globo foi assim:
“Ontem a inspetora Marina Maggessi, da Delegacia de Repressão a Entorpecentes, explicou que, depois de afirmar por duas vezes que Sabrina era Brenda, a menor voltou atrás, ao ver a foto de Brenda Lizer dos Santos da Silva, a verdadeira Brenda, que segundo testemunhas estaria namorando o traficante há pelo menos dois meses”.
Agora não existe mais a “verdadeira Brenda”. A inspetora Maggessi chegou à conclusão de que sua testemunha privilegiada, a menina, pela qual mostra enternecimento em reportagem apologética publicada no site No mínimo (“A dama de ferro da polícia”), nem participou do ataque. Mesmo assim, o Globo de hoje noticia que “devido à falsa confissão no crime, X. foi condenada a três anos de medida sócio-educativa”. Já foi condenada? Por quem?
Em busca de “soluções” rápidas
A mídia trabalha da mão para a boca, no dia-a-dia. Se se tratar de crime que mexa com as emoções do público, usa-se principalmente o critério da contagem de tempo: é necessário dar uma “solução” rápida. Quem transmite essa “resposta” é a mídia, sem nem mesmo conseguir fazer antes todas as perguntas necessárias. Embarca o tempo todo em canoas furadas.
Resta saber se faz isso só por incompetência, ou se também porque não consegue se desvencilhar do emaranhado entre crime, polícia e política partidária no Rio (não só no Rio, mas mais visível no Rio).
Só para dar uma idéia da confusão armada hoje, é pré-candidato a deputado federal o secretário de Segurança Pública do Rio, Marcelo Itagiba, e também são pré-candidatos, a deputado estadual, o subsecretário de Integração Operacional, Paulo Souto (José Paulo Pereira Souto, não confundir com o governador da Bahia), e o chefe da Polícia Civil, Álvaro Lins (não confundir com o ilustre crítico literário que ocupou uma cadeira na Academia Brasileira de Letras).
Quem imagina que as ações públicas desses três personagens da cúpula policial são regidas exclusivamente pela lógica da defesa da lei? Aparentemente, só as criancinhas e a mídia, se é que se pode acusá-la de tamanha ingenuidade e despreparo.