Estranhas decisões são tomadas no calor das noites de fechamento de um jornal.
Quem edita a primeira página da Folha, por exemplo, resolveu ontem que não valia a pena dar ali nem uma chamadeta para a importante revelação trazida pelo repórter Fábio Amato, da Agência Folha em São José dos Campos – importante o suficiente para ser a principal matéria do caderno Cotidiano da edição de hoje.
Simples assim: na segunda-feira passada, o ex-governador Geraldo Alckmin disse que o modelo de contrato turn-key (chaves na mão) da Companhia do Metrô com o consórcio vencedor da licitação para construir a Linha Amarela (4) da rede foi uma ‘exigência do Banco Mundial’ (Bird), que financia 22,5% dos cerca de R$ 2 bilhões que custa a empreitada. Depois amenizou, admitindo que possa ter sido apenas recomendação.
Nesse modelo, o contratante – União, Estado ou município – paga um fixo pelo serviço, e a obrigação da contratada é entregá-lo em ordem no prazo certo, fazendo o que achar necessário para isso. A responsabilidade pela fiscalização da obra é da própria contratada.
O contrato virou notícia depois do desabamento do túnel da futura estação Pinheiros da linha. Segundo os críticos, o modelo, embora isente o contratante do risco – ou melhor, da rotina – de pagar acréscimos demandados pela contratada, praticamente impede que o poder público acompanhe o andamento do serviço, a tempo, eventualmente, de prevenir trágicos acidentes como o que traumatizou São Paulo há duas semanas.
Pois bem. O repórter da Folha fez o óbvio ululante – que, nem por isso, a mídia faz com a frequência necessária. Foi checar com o Banco Mundial se Alckmin dissera a verdade.
Foi informado – e informou ao leitor – que a verdade seria outra.
Jorge Rebelo, diretor do banco para o projeto da Linha Amarela, negou que a instituição tenha sugerido, muito menos exigido, aquela forma de contrato. O modelo foi definido de comum acordo ‘por todos os envolvidos’, afirmou Rebelo em e-mail ao repórter, porque seria ‘o mais apropriado’.
Se esses foram os fatos, o ex-governador não pode alegar que havia uma situação de ‘dá ou desce’ – dinheiro do Bird, só com contrato turn-key. No mínimo, portanto, o Estado é co-responsável pela escolha, a que não foi coagido, e por todas as consequências que dela pudessem resultar.
O jornal não conseguiu falar com Alckmin, que acabou de viajar para uma temporada de estudos nos Estados Unidos, a tempo de incluir na edição de hoje o que ele tivesse a dizer do desmentido do diretor do Banco Mundial.
Pelo visto, há muito ainda a escavar até se descer aos bastidores desse polêmico contrato. E, nesse percurso, haverá muita notícia merecedora da primeira página dos jornais.
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