Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Uma carta do fundo do abismo

A carta que abre a seção Painel do Leitor, na Folha de hoje, não tem por que chamar especialmente a atenção.

Nela se lê, depois de uma crítica ao presidente Lula por ter se comparado a JK, que lhe “faltam um desconfiômetro para deixar de prosseguir humilhando esta nação e grandeza para bater em retirada.

Mas, para quem conhece o autor, a carta diz tudo que vale a pena saber sobre a profundidade do abismo de decepção em que um número de brasileiros que deve estar na casa dos milhões foi jogado pelas denúncias de corrupção envolvendo o governo do PT e o PT.

Se Lula conhecesse quem é que pede que ele renuncie não se poria a dizer, uma vez e outra e outra mais, o que só pode ofender o povo um pouquinho mais sensível à fedentina que emana do Planalto.

Ontem, em Quixadá, no que já foi descrito como sintoma de descontrole emocional, ele incluiu a imprensa entre as “aves de mau agouro”, como chamou aqueles que “não querem enxergar, um dedo na frente do nariz, as coisas que acontecem neste país”.

Querer, decerto muitos brasileiros não quereriam enxergar o que acontece neste país – e que está na frente dos seus narizes porque as instituições funcionam e a imprensa não deixa barato: o mais disseminado esquema de compra de poder que já se viu pelo menos desde a redemocratização.

Mas vá perguntar, excelentíssimo senhor presidente da República, ao autor da primeira carta na Folha de hoje, se ele é cego, surdo e tolo o suficiente para acreditar na sua teoria das “aves de mau agouro”.

Sabe por que, excelentíssimo? Porque, em 1998, este cidadão, professor aposentado, perseguido pela milicalha depois do golpe, que jamais perdoou o que entendia ser a “traição” de outro professor, o Cardoso, era capaz de abrir as veias se disso dependesse a vossa eleição.

O desgosto que ele sentia em relação aos tucanos era comensurável com a admiração que tinha por Lula e menos do que proporcional, se é que isso era possível, às esperanças que depositava no advento de um governo do PT.

Desde então, nunca mais o vi. Mas não preciso fazer nenhum exercício de imaginação para saber de sua frustração com a segunda vitória de Fernando Henrique, da garra com que deve ter trabalhado, no escasso limite de suas possibilidades, para a vitória do seu candidato em 2002 – e do tormento por que deve estar passando agora.

A ponto de escrever uma carta a um jornal para lastimar que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não tenha “grandeza para bater em retirada”

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