Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Erundina quer rever radiodifusão

É muito raro haver menção ao Observatório da Imprensa em editoriais dos grandes jornais, se é que já houve alguma. Mas há no presente. Hoje (4/7), no Estado de S. Paulo, o editorial “O poder dos políticos na mídia” menciona a pesquisa dirigida pelo professor Venício A. Lima sobre posse de meios de radiodifusão por parlamentares, “levantamento que revelou um quadro vergonhoso”.


“Cruzando os nomes dos sócios e diretores de empresas de comunicação com os dos atuais deputados”, explica o editorial, “o estudo descobriu que 51 deles – ou 1 em 10 – detêm ilegalmente concessões de rádio ou TV”.


Essa denúncia prática, levada em 25 de outubro à Procuradoria Geral da República pelo Projor, entidade mantenedora do Observatório da Imprensa, com a ajuda da advogada Taís Gasparian, é fruto de uma batalha antiga liderada por Alberto Dines contra o chamado “coronelismo eletrônico”. (Ver abaixo remissões para outros textos.)


A deputada Luíza Erundina, do PSB de São Paulo, conseguiu criar no final de junho uma subcomissão da Comissão de Ciência e Tecnologia para estudar a mudança da legislação que regula a outorga e renovação de concessões para serviço de rádio e televisão. Ela quer ouvir o ministro das Comunicações, Hélio Costa, e seus antecessores Miro Teixeira (deputado do PDT do Rio de Janeiro) e Eunício Oliveira (deputado do PMDB do Ceará), para explicar como as concessões são atribuídas. Como funciona a Comissão, já se sabe. Mal. Basta dizer que Eunício Oliveira, que tinha uma concessão de rádio, foi um de seus integrantes.


Erundina preside a subcomissão, cujo relator é o deputado Vic Pires Franco, do PFL do Pará. Vic Pires preside a Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática. Ele foi durante 15 anos apresentador de telejornal da Rede Globo em seu estado.


A deputada contou ontem ao Observatório da Imprensa o que a levou a fazer a proposta:


– Estou no meu segundo mandato, e nesses anos todos sou membro titular, pela bancada do PSB, da Comissão de Ciência e Tecnologia. E sempre me constrangia muito, me incomodava, ter que dar esse referendo, a favor ou contra, sem ter uma base objetiva para aferir o nível de regularidade. São milhares de processos. E por isso eu entrei com um requerimento pedindo a criação de uma subcomissão para que a gente pudesse examinar a legislação que regulamenta a matéria, para que a gente possa aperfeiçoar essa legislação e dar melhor condição à Comissão de Ciência e Tecnologia de se pronunciar a respeito dessas concessões ou renovações feitas pelo Executivo, no caso pelo Ministério das Comunicações.


“O máximo que podíamos fazer era nos abster”, diz Erundina, referindo-se aos que não aceitavam opinar sobre matéria desconhecida. “Uma ação sem eficácia”, classifica.


O ponto de partida, entende a deputada (ela também ex-ministra, da Administração, no governo de Itamar Franco, o que provocou seu afastamento do PT), é ouvir as pessoas encarregadas de operar o sistema.


Brizola X Globo


Erundina tem uma explicação para a maneira como se definiu a legislação atual. Ela parte de um episódio que em 1982 antagonizou o então governador do Rio de Janeiro, Leonel Brizola (1983-87; houve um segundo mandato em 1991-94), à Rede Globo. O Caso Proconsult, desvio de votos em contagem por computador que por pouco não levava a uma vitória fraudulenta do adversário de Brizola, Moreira Franco, na eleição de 1982. A Rede Globo e o Globo foram os vilões da história. Brizola costumava acenar com o fantasma da cassação da concessão da Globo para operar. Roberto Marinho, diz a deputada, exerceu todo o seu poder de pressão, juntamente com outros donos de redes de rádio e televisão para que as concessões, uma vez concedidas ou prorrogadas, só pudessem ser revogadas em caso extremo.


O resultado está no artigo 223, parágrafo terceiro, da Constituição: “A não renovação de permissão ou concessão dependerá de, no mínimo, dois quintos do Congresso Nacional, em votação nominal”.


– É como se se desejasse que aquilo nunca mais pudesse ser revogado. Aprovou, fica para sempre – diz Erundina.


Daí a necessidade, segundo a deputada, de começar pela legislação constitucional e depois passar à legislação infra-constitucional. O Código Brasileiro de Telecomunicações é de 1962. A Lei Geral de Telecomunicações, de 1997.


Digitalização sem concentração


“Agora que vamos entrar na digitalização, precisamos evitar que haja ainda mais concentração”, diz Erundina. “Trata-se de espaço público de informação, cultura, ideologia, poder. Trata-se de assuntos que dizem respeito à autonomia, à soberania do país nas próximas décadas”, afirma.


A deputada elogia seu colega presidente da Comissão de Ciência e Tecnologia, Vic Pires Franco: “Ele tem tido uma atuação muito positiva, deu dinamismo à Comissão”. Uma comissão que, em 2004, anote-se, foi presidida pelo hoje prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab. Numa época em que, relatam vários parlamentares, era esmagadora a maioria de concessionários de emissoras, ou de deputados ligados a redes de rádio e televisão. Eles ainda são a maioria, mas já não impedem o debate.


Fantazzini: envolver mais a sociedade


O deputado Orlando Fantazzini, do PSOL paulista, um dos criadores da campanha Quem Financia a Baixaria é Contra a Cidadania, integra a Comissão de Ciência e Tecnologia e a subcomissão presidida pela deputada Luíza Erundina. Ele acha difícil atuar na comissão, mas reconhece que o presidente Vic Pires Franco “tem deixado o debate avançar, o que permite envolver um pouquinho mais a sociedade”.



Ele constata que há um grande conflito latente entre as redes de televisão e as empresas de telefonia, em torno da digitalização, e diz que muito vai depender da forma como o presidente Lula regulamentar a matéria.


Existe a possibilidade de que as teles tenham de pagar às redes de TV aberta para veicular conteúdo para celulares, por exemplo. Ao mesmo tempo, a Telefônica, em São Paulo, prepara-se para jogar canais por assinatura em sua rede de fibra óptica. Briga de gigantes. A Rede Globo é gigante em influência. As teles são gigantes em poder financeiro. E não têm dívidas acumuladas, como as empresas de mídia.


Dois pesos e duas medidas


Fantazzini exemplifica a tendenciosidade do tratamento dado às emissoras de rádio e televisão com questionamento feito por ele a representantes da Anatel na primeira reunião do grupo, na quarta-feira passada (28/6).


“Quando alguém faz uma solicitação para receber o direito de operar uma rádio comunitária e o Estado brasileiro demora anos e meses e essa rádio começa a operar, a Anatel, junto com a Polícia Federal, comparecem nessa rádio, lacram os equipamentos e às vezes até prendem as pessoas que estão lá”, argumentou Fantazzini. “Há emissoras comerciais há quatro, cinco anos sem a renovação da outorga. Portanto, fora da lei. Eu questionei a eles por que não adotam o mesmo procedimento que têm adotado em relação às rádios comunitárias. Compareçam nessas rádios comerciais, lacrem os equipamentos e, não vou dizer prender, mas pelo menos façam com que a emissora deixe de operar até que ela consiga, através da legislação, comprovar a sua regularidade e receba novamente a prorrogação da sua outorga”.


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O forró do cartel da mídia (propriedade cruzada, concentração, diversidade em risco) – Biblioteca OI (arquivo PDF)