O Globo e o Estado asseguram hoje que não estava nos planos da Polícia Federal promover uma acareação entre o ex-ministro Antonio Palocci e o ex-presidente da Caixa Jorge Mattoso.
O Globo, ao informar que Palocci deverá ser chamado a depôr de novo, cita ‘um dos policiais que estão acompanhando de perto as investigações’. Numa alusão à manchete de ontem da Folha, anunciando a acareação, ele critica:
‘Estão querendo pautar a Polícia Federal.’
O advogado de Mattoso, Alberto Toron, confirma:
‘Falei com o delegado e não vai ter acareação. O delegado me disse que já estava até relatando o inquérito.’
De todas as matérias sobre o assunto, essa é a única a trazer um par de aspas com nome e sobrenome.
Durou portanto uma edição de jornal – ou menos do que isso, porque ontem mesmo se podia ler nos sites e blogs noticiosos o desmentido da Polícia Federal – a versão da Folha que colidia com a dos seus dois principais concorrentes. Ambos afirmaram que a PF já concluíra que Palocci fora o mandante da violação do sigilo bancário do caseiro Francenildo.
O que havia de comum entre os três jornais é que nenhum dava ao leitor uma pista que fosse para ele poder avaliar a credibilidade das respectivas informações – o que me levou ontem a escrever a nota Quando a mídia diz ‘podes crer’.
Mas a Folha não jogou a toalha. Diz hoje que ia haver acareação, sim, mas o governo pressionou a Polícia Federal a voltar atrás.
‘Palocci age para evitar acareação na PF’, intitula-se a matéria segundo a qual o ex-ministro, ‘ao saber [pela Folha?] que a Polícia Federal pretendia fazer uma acareação entre ele e Jorge Mattoso’, mandou um recado à cúpula do governo ‘em forma de ameaça’.
O leitor que imagine que ameaça poderia ser essa.
A Folha sustenta que a PF comunicou a sua intenção ao Planalto. ‘Um membro da cúpula do governo’, que o texto naturalmente não identifica, ‘disse às 18h30 de ontem que [a acareação] estava mantida’.
A referência ao horário é uma forma de autenticar a notícia.
Não há nenhum motivo para supôr que o geralmente bem-informado repórter Kennedy Alencar fabricou essa informação. Mas o leitor tampouco tem como julgar se o anônimo ‘membro da cúpula’ sabia o que dizia ou, por alguma obscura razão, dizia o que gostaria de ver publicado.
De uma forma ou de outra, chama a atenção a traulitada na Polícia Federal que vem depois:
‘Nos últimos dias, a PF negou que seriam prestados depoimentos que acabaram sendo tomados e participou de uma operação de despiste da imprensa montada por advogados de Palocci para tomar o depoimento do ex-ministro na terça-feira. Oficialmente, a PF informava que o depoimento aconteceria no dia seguinte. A PF diz que só aceitou a antecipação porque os advogados de Palocci ameaçavam adiar o depoimento.’
Parece troco do repórter ao desmentido de assessoria de imprensa da PF à matéria anterior, que ‘teria contrariado’ o delegado que conduz a investigação. Pode ser, pode não ser.
Em suma, tudo claro como a noite. Esse é o drama das matérias ‘em off’, sem pai nem mãe.
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