No dia 29 de junho agora, não irei a uma possível missa de trigésimo dia de falecimento de Antônio Carlos Villaça. Perdemos este escritor carioca em 19 de maio, e poucos a ele se referiram. Poucos se lembraram do memoralista, poeta e místico. Faleceu com 76 anos.
Provavelmente o seu último livro foi José Olympio: o descobridor de escritores, em 2001, pela Thex Editora, cujo dono, meu amigo Thex Correia da Silva, também faleceu recentemente. Conheci Thex quando trabalhei como revisor na própria José Olympio, fins da década de 80, Rio de Janeiro. E foi lá, nas dependências desta editora, que vi de perto aquela figura imensa, o Villaça.
Villaça tinha o dom do louvor e da lembrança. Seu peso físico era ilusório. Flanava na vida literária, sobrevoava o passado, vivia imerso nas águas da memória. O hoje esgotado livro que publicou pela Editora Imago, em 1976, Místicos, filósofos e poetas, é crítica literária em tom lírico. Seu diálogo contínuo com Claudel, Maritain, Léon Bloy, Chesterton, Gabriel Marcel, Rilke, Garrigou-Lagrange, Dostoievski, Thomas Mann, Thomas Merton… denuncia a formação humanista e católica.
Drama universal
Viveu modestamente e modestamente se foi. Enfrentou com paciência monástica privações e necessidades. Mas foi riquíssimo em amigos. Fez amizade com praticamente toda a literatura brasileira do século XX – Cassiano Ricardo, Drummond, Octávio de Faria, Augusto Frederico Schmidt, Manuel Bandeira, Pedro Nava, Rachel de Queiroz, Mário Quintana, Graciliano Ramos…
Sua generosidade. Acreditava no ser humano. Dizia que os homens são melhores do que imaginamos. Ou menos perigosos do que supõe a nossa desconfiança. Queria confiar. Era acolhedor. Fui o primeiro da fila a lhe pedir autógrafo no dia em que lançou, em 1983, uma biografia de Alceu Amoroso Lima, O desafio da liberdade (Editora Agir).
Quem guardará na memória o memorialista? Não deixou filhos, discursou elegias na morte de muitos, que não estão aqui para retribuir. Ivo Barroso talvez foi o único a fazer um registro decente, no Jornal do Brasil de 4 de junho.
Um dos homens mais cultos do país, devorador de livros, Villaça queria ser livre, inteiramente livre, para escrever. Ser apenas o que era, escritor, leitor, ir e vir sem maiores vinculações com o mundo, ser à parte, interessado, solitário, paradoxalmente próximo e distante das pessoas. Viveu o drama universal do artista. Deu-se por inteiro à literatura, como uma vocação absoluta.
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Doutor em Educação pela USP e escritor (www.perisse.com.br)