O professor Marco Aurélio Garcia, assessor internacional do Planalto e presidente interino do PT, acaba de dar valiosa contribuição para a crispação das já mal paradas relações entre o governo e a mídia brasileira.
Ele o fez por uma combinação sulfurosa de idéias com as palavras a que recorreu para manifestá-las.
Numa alentada entrevista ao repórter Fábio Zanini, na Folha de hoje, ele fez duas afirmações que se enquadram numa coisa ou na outra.
Ele expressou a idéia de que as revistas deveriam ‘refletir’ sobre o fato, a seu ver espantoso, de estarem entupidas de propaganda oficial, mesmo depois de terem se transformado em órgãos de difamação política.
Ora, sempre que a própria mídia, que veicula a publicidade oficial, critica o aumento dos gastos do governo com essa rubrica, a resposta é que o governante tem obrigação de prestar contas à sociedade dos seus atos.
Disso decorre que a prestação de contas será tanto mais efetiva quanto mais numerosa for a parcela da sociedade que ela alcance. Se assim é, ao escolher por meio de que jornais, rádios e emissoras cumprirá a sua obrigação, deverá logicamente levar em conta o alcance de cada órgão de mídia.
Se um desses veículos se transformou num órgão de difamação política – o que é a pura verdade, no caso de uma revista que todos sabem qual é – tanto pior.
Enquanto ela for o semanário noticioso de maior circulação no país, faz todo o sentido que o governo ali compre espaço comensurável com essa realidade, para divulgar o que achar necessário e legítimo ao maior número de leitores.
O principal, porém, não é isso. Quando o professor Garcia aconselha as revistas a ‘refletir’ sobre as suas receitas publicitárias oriundas do setor público federal, não obstante a sua linha difamatória, a ameaça é inequívoca. O governo poderá diminuir, ou cortar, os seus anúncios nesses periódicos.
Sempre lembrando o apregoado caráter de utilidade pública da publicidade oficial, aquilo é tão inaceitável quanto o seu avesso – comprar apoio na mídia em troca de comerciais.
Durante décadas, na democracia e na ditadura, quando o setor estatal gastava proporcionalmente mais do que a empresa privada nesse departamento, governos puniram órgãos de comunicação desafetos (o caso do Correio da Manhã é clássico), cortando-lhes o oxigênio publicitário, e beneficiaram com toneladas de anúncios aqueles faziam o seu jogo, mais depressa do que leva para dizer Rede Globo.
Nem em pesadelo se deve voltar a esse binômio intimidação / corrupção.
Agora, às palavras – aliás uma só – do professor Garcia.
Falando dos comentaristas econômicos de ‘determinadas rádios’, ele disse que a imensa maioria deles vem da ‘mesma malta’.
Isso, malta. Sinônimo, conforme o Aurélio, de ‘conjunto ou reunião de gente de condição inferior, bando, grupo, súcia’.
Como professor, o presidente do PT deve saber que a qualidade dos debates de idéias, ainda que vigorosos, depende visceralmente das palavras que as transmitem. Como figura pública, membro de um governo eleito nas urnas, devia saber que de suas responsabilidades faz parte contribuir para a civilidade do discurso público.
Não por uma questão de boas maneiras. Mas para não deixar que se deteriore a livre manifestação do pensamento indissociável da democracia.
Marco Aurélio Garcia tem todo o direito a considerar que quase todos os comentaristas econômicos formam uma malta. Mas nem tudo que se pode dizer se deve dizer – principalmente na esfera pública.
A menos que a idéia seja chutar o pau da barraca. Se é disso que se trata, a relação entre a mídia e o governo só irá de mal a pior. Para ganho de ninguém.
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