Nos textos sobre o assassínio de Sandra, a expressão “linchamento moral” formou um par bizarro com o termo “privilégio” que se usou, este sim, adequadamente, para definir a injustificada transferência do jornalista para a Clínica Parque Julieta, depois de ter ele superado, a tempo e a hora, os efeitos de uma nebulosa tentativa de suicídio — que lembra o verso de Fernando Pessoa: “Se te queres matar / por que não te queres matar?” — e depois de ter difamado a memória da pessoa que assassinara, no depoimento à polícia, clandestinamente gravado e transmitido pela TV Globo.
Em seguida, enquanto o Sindicato dos Jornalistas entrava em cena para denunciar obscuramente a “farsa que se procura montar para criar atenuantes no julgamento do assassino de Sandra Gomide”, o outro lado da barricada também resolveu invocar a tese do “linchamento moral”, comprovando que ninguém detém o monopólio da insensatez.
Primeiro, o advogado de Pimenta soltou uma nota escaldante dizendo que querem condenar seu cliente “sem processo e sem defesa”. O alvo do doutor Mariz foram as revistas e o site que trataram de investigar a vida do jornalista, sua conduta e seu temperamento. Mas ele não contestou nenhum dos “fatos aparentemente desabonadores”, relatados por fontes que preferiram não se identificar.
O esforço da imprensa em revelar para o leitor “quem é” Pimenta Neves foi criticado indiretamente também pela promotora Luiza Nagib Eluf. Em um artigo de resto irrepreensível na Folha de 30 de agosto, “Homens que matam”, ela sustenta que “os passados do réu e da vítima tampouco importam”.
Importam, sim. Diante de um crime de morte, um tribunal não julga só o ato, mas as pessoas envolvidas — criminoso e vítima — até para saber se o réu poderá voltar a matar se for inocentado ou posto em liberdade daí a pouco tempo. Não fosse isso, a acusação não trataria, no limite, de demonizar o asssassino e beatificar o assassinado — e a defesa, vice versa.
De seu lado, a imprensa não fez mais do que a obrigação ao levantar a ficha do acusado — como faria se ele fosse um empresário ou um filósofo, não se podendo culpá-la se as fontes insistiram em permanecer anônimas.
Mariz acabou tendo razão, avant la lettre, por sinal, em um caso — o artigo “No lugar de notícia”, do colunista Janio de Freitas, da Folha, publicado três dias depois da nota do advogado. Janio, que em matéria de serenidade e senso de justiça formaria um dueto perfeito com Marilene Felinto, investiu pelo flanco político.
Depois de se sair, logo nas primeiras linhas, com o absurdo de que, se não tivesse matado Sandra, “Pimenta Neves teria passado pelas redações sem ser notado pelo jornalismo”, ele o acusou de ter sonegado, como diretor de Redação do Estado — “a pedido da Presidência da República” — a notícia de que Fernando Henrique Cardoso liberara verbas extras para o TRT-SP. Como diria Mariz, “os fatos não precisam ser provados”.
Por fim, o linchamento voltou à cena — duas vezes — na já citada coluna de Otavio Frias Filho. Ele subscreve a teoria de que as revistas fizeram de Pimenta um “vilão rematado” e acrescenta a hipótese conspiratória de que, em certos casos, a mídia aproveitou para “acertar velhas contas com o réu”, sem que o pobre do leitor fique sabendo de que mídia e de que contas se está falando.
“Otavinho” diz que “o assassino não se manifestou, exceto em depoimento editado com notória má fé contra ele”, esquecido, talvez, de que o conteúdo dessa manifestação — em especial quando ele revela supostos comentários de Sandra sobre o pai e o irmão dela — é suficientemente repulsivo para justificar a divulgação, qualquer que seja a fé do editor da fita, como subsídio para se saber quem é Pimenta, ou, numa versão caridosa, quem era ele na hora do depoimento.
“Nada do que Pimenta Neves alegar poderá justificá-lo”, escreve o colunista, com razão. Mas isso se aplica também a muito do que se tem escrito sobre o caso. De trágico, devia bastar a tragédia.
[Publicado originalmente em 01.09.00 no site Werbo]
Para acompanhar o julgamento pela internet clique em
http://ultimainstancia.uol.com.br/index2.html
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