Nesta quinta-feira em que, a julgar pela montanha de matérias (especialmente na Folha) sobre as eleições no Congresso, parece que o país está de respiração presa para saber se vai dar Aldo ou Arlindo na Câmara e Calheiros ou Agripino no Senado, os grandes jornais brasileiros só deram dois textos sobre a questão do aquecimento global, que está mobilizando a mídia global por conta do relatório de amanhã da ONU [ver a nota ‘O desafio da mídia é fazer você entender para crer’, de 30 de janeiro].
Do menos para o mais importante, são ‘O janeiro mais quente em países da Europa’, no Globo, e ‘Alerta: 10 anos para reduzir CO2’, no Estado. Se eu fosse você, lia os dois. Lá vão:
‘O janeiro mais quente…‘
‘Muitos países europeus tiveram o janeiro mais quente desde o início dos registros, fazendo flores brotarem muito antes do tempo na Holanda e na Alemanha e provocando incêndios na Hungria.
Na Holanda, as temperaturas registradas em janeiro foram as mais altas desde que começaram a ser registradas, em 1706, segundo o instituto de meteorologia KNMI: 7,1 graus Celsius, 2,8 graus acima da média. Por isso, os narcisos já estão florescendo em Amsterdã, mais de um mês antes do normal.
Na Suíça, onde muitas estações de esqui ficaram praticamente sem neve até as fortes nevascas da semana passada, a MeteoSwiss acredita que o mês passado foi o janeiro mais quente em cidades suíças. O mesmo acontece na Hungria, onde a falta de chuvas já provocou vários incêndios.
Na Alemanha, a temperatura média do mês passado foi de 4,6 graus Celsius — cinco graus acima da média — tornando janeiro de 2007, ao lado de janeiro de 1975, o mais quente desde 1901. Na maior parte da Áustria a temperatura também bateu recorde. No Reino Unido, foi o segundo janeiro mais quente desde o início dos registros, atrás apenas de 1916.
Alguns meteorologistas prevêem que 2007 será o ano mais quente já registrado. Os dez anos mais quentes dos registros ocorreram todos após 1994, o que leva os cientistas a relacionarem o fato ao acúmulo de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera.
A divulgação dos novos dados coincide com a reunião de especialistas e cientistas em Paris, na qual será aprovado o novo relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas das Nações Unidas.
O documento responsabilizará as atividades humanas, sobretudo a queima de combustíveis fósseis, pela maior parte do aquecimento registrado nos últimos 50 anos.
O relatório, que será divulgado oficialmente amanhã, apresentará também estimativas para a elevação da temperatura no século XXI e alertar para a maior ocorrência de enchentes, tempestades e secas.
O aumento do nível do mar previsto é de até meio metro.
Dados preliminares do documento especificamente sobre a Austrália vazaram e foram divulgados ontem por jornais locais, causando séria preocupação no país. Segundo as previsões, haverá um aumento significativo do número de mortes relacionadas ao calor de pessoas com mais de 65 anos: de 176 hoje para 1.312 em 2050. As temperaturas máximas em Sidney devem aumentar 1,6 grau Celsius em 2030 e 4,8 graus Celsius em 2070. O volume de chuva será reduzido em 40% até 2070, tornando a vida na cidade bastante difícil.
Na vanguarda das propostas de combate ao aquecimento global, a Comissão Européia propôs ontem que as empresas petroleiras reduzam suas emissões de gases-estufa na produção, refino, transporte e uso de combustíveis.
O plano busca reduzir em 10% as emissões de todo o chamado “ciclo de vida” do petróleo, do solo aos automóveis, entre 2011 e 2020. Isso representaria uma redução de 500 milhões de toneladas de CO2 ao fim do período.
Como era de se esperar, o projeto recebeu duras críticas da Associação Européia da Indústria do Petróleo, que congrega as refinarias. Segundo os empresários, algumas das metas seriam inalcançáveis A comissão propôs ainda padrões ambientais mais rígidos para o diesel e a gasolina vendidos nos 27 países do bloco, com o objetivo de aumentar o uso de biocombustíveis.
Há menos de um mês a Comissão Européia propôs ao mundo uma redução de até 30% dos gases-estufa até 2020, em relação aos volumes de 1990.
É hora de passarmos das palavras à ação, afirmou o comissário de Meio Ambiente do bloco, Stavros Dimas.’
‘Alerta: 10 anos…‘
”O mundo tem apenas dez anos para reverter as crescentes emissões de gases do efeito estufa, a fim de evitar o risco de uma mudança climática que poderá tornar partes do planeta inabitáveis. A advertência parte dos cientistas que trabalham no texto final do novo relatório do Painel Intergovernamental de Mudança Climática (IPCC, na sigla em inglês), que será divulgado amanhã em Paris.
O texto conclui que, se a humanidade não estabilizar rapidamente as emissões de gases do efeito estufa, e não começar a reduzi-las, terá pouca chance de manter o aquecimento global dentro de limites viáveis.
“Os próximos dez anos serão cruciais”, disse Richard Betts, líder de uma equipe do Centro Hadley, órgão de estudo climático da Agência de Meteorologia da Grã-Bretanha. “Depois, a tarefa será muito mais difícil.”
Os resultados mais dramáticos podem incluir a destruição da Amazônia e da Grande Barreira de Corais (Austrália), a migração forçada de centenas de milhões de pessoas de regiões equatoriais e a inundação de vastos territórios pelos mares, com o derretimento das calotas de gelo. Considerando o pior quadro, na Europa os verões poderiam se tornar insuportavelmente quentes, em especial os países do sul, como Grécia, Espanha e Itália, enquanto Grã-Bretanha e o norte do continente teriam verões secos e invernos úmidos e tempestuosos.
Entre os temores dos cientistas está o de que o aumento das temperaturas e dos níveis de gases do efeito estufa supere, num futuro próximo, os sistemas naturais que normalmente os mantêm sob controle. Cerca de metade das 24 bilhões de toneladas anuais de dióxido de carbono geradas por atividades humanas é absorvida por florestas e oceanos – um processo sem o qual o mundo já poderia estar vários graus mais quente.
À medida que os níveis de CO2 sobem e os solos secam, os micróbios podem começar a decompor a matéria orgânica acumulada, transformando as florestas em produtoras de gases do efeito estufa. O poder do mar de absorver CO2 também cai drasticamente à medida que a temperatura sobe.
As últimas pesquisas indicam que essa mudança será atingida quando os níveis de gás carbônico alcançarem 550 partes por milhão (ppm), o dobro de seus níveis naturais. A previsão é de que isso ocorra em torno de 2040 a 2050. Pesquisas mostram que uma ação imediata poderia permitir que se mantivesse os níveis de CO2 em 450 ppm. “Temos de garantir que as emissões atinjam o pico no mais tardar em 2015 e então diminuam cerca de 3% por ano”, diz Malte Meinshausen, do Instituto de Pesquisa de Impacto Climático de Potsdam, na Alemanha. “Se não agirmos na próxima década, partes dos oceanos poderão ficar sem seres vivos, do plâncton aos corais, em 2100”, afirma Carol Turley, dos Laboratórios Marinhos de Plymouth. “Tais mudanças devastariam ecossistemas e áreas de pesca”.
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