Thursday, 19 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Agressões e ameaças contra estudantes críticos

Os professores do Curso de Comunicação Social/Jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) tornam público sua posição e cobram providências contra as agressões do apresentador da TV Vila Velha (do sistema a cabo de Ponta Grossa, PR), que se sentiu ofendido com uma crítica (publicada no blog laboratorial Crítica de Ponta) feita por estudantes do 2º ano de Jornalismo da UEPG ao programa RP-2. O apresentador televisivo leu o texto do blog no ar, na edição do dia 31/03/10, reprisada na sequência, em meio a comentários e agressões explícitas aos autores da crítica, dos primeiros comentários postados e também à família do estudante. Com palavras de clara intimidação e ameaça, o apresentador usa cerca de 23 minutos do programa para atacar os estudantes de Jornalismo.


As manifestações agressivas do apresentador do programa RP2 da TV Vila Velha, veiculadas no programa do dia 31/03/2010 e reprisadas em seguida, pela mesma emissora, disponíveis na internet, deixam o campo da civilidade à medida que utilizam um canal televisivo para atacar autores de uma crítica e a imagem da instituição envolvida (Curso de Jornalismo da UEPG), além das agressões diretas e explícitas ao autor do texto e à sua família. No caso de eventual discordância com a crítica, bastaria o contato com a produção do blog (seja com estudante ou professor) que tal manifestação seria publicada sem qualquer contestação, inclusive como prática e motivação pedagógica.


Expressão da opinião


O blog Crítica de Ponta é uma atividade laboratorial, ligada à disciplina Crítica de Mídia, do 2º ano do Curso de Jornalismo da UEPG. Criado em março de 2009, o blog publica semanalmente textos elaborados pelos próprios estudantes, que exercitam a análise crítica de produtos e serviços de mídia e cultura que circulam nos Campos Gerais do Paraná. Por se tratar de uma atividade laboratorial, procura-se fazer com que tais apreciações sejam marcadas pela informação e descrição dos produtos analisados, evitando adjetivações que não possam ser identificadas nos referidos serviços. As avaliações (parciais) são feitas pela produção dos textos que passam, a cada semana, por uma leitura prévia (sem mudança no conteúdo, apenas na formatação) do professor responsável, buscando evitar eventuais críticas infundadas. Os textos (críticas) são produzidos por grupos e, a cada semana, levam a assinatura de um estudante.


A disponibilização semanal do material é feita pelos próprios estudantes, que se revezam em grupo para manter a periodicidade na atualização do blog. Nas raras situações em que autores de produtos ou serviços culturais (e de mídia) se sentem insatisfeitos pela crítica, o próprio blog tem espaço para comentário, seja na forma de resposta ou réplica da crítica. E, com a mesma preocupação didática, tal espaço é garantido a quem se sinta ofendido ou discorde da análise. Essa prática é assegurada em todos os espaços laboratoriais do Curso de Jornalismo da UEPG, em função do compromisso da universidade pública e também do caráter didático de tais produções experimentais.


O exercício da crítica, por ser uma atividade polêmica, envolve limites e responsabilidade na análise proposta. E, portanto, não se espera sempre total satisfação ou concordância por parte dos atores responsáveis por tais produtos. Para isso, é preciso agir com racionalidade, bom senso e a certeza de que a experimentação da crítica possui um caráter pedagógico que os próprios estudantes vão aperfeiçoando ao longo do ano letivo. Basta verificar a gradual mudança de foco, percepção e abordagem que os textos elaborados pelos estudantes revelam, entre as primeiras e as últimas produções disponíveis no Crítica de Ponta, em 2009.


É desta maneira que se pode assegurar que a própria crítica possui um papel didático – ao leitor, ouvinte, telespectador, consumidor ou usuário – e, ao mesmo tempo, motivador do acesso de tais produtos, que são públicos pela própria necessidade de circulação e consumo. Alguém faria uma peça de teatro sem esperar apreciação dos usuários? Vale o mesmo para o cinema, desde sua invenção (1895), e ao rádio, que no Brasil passam a contar com espaços de análise sistemática em jornais impressos, a partir de meados dos anos 1930. Com a televisão não é diferente: na medida em que os telespectadores passam a ter acesso, e o exercício da crítica é socialmente permitido como uma prática da democracia, a manifestação de leituras diferenciadas de tais produtos/serviços se torna um hábito que é parte de leituras, conversas ou comentários coloquiais no cotidiano. Daí que a expressão da opinião é livre, desde que não caracterize ataque ou qualquer forma de agressão.


Mecanismos públicos


É estranho, e inadmissível, que a reação a uma crítica de qualquer produto ou serviço cultural esteja marcada por ameaça física ou moral, ataques pessoais ou intimidações. Se tais reações passam a ser corriqueiras, para além de colocar em risco a liberdade de expressão, o exercício da democracia fica sob ameaça. E, portanto, qualquer agressão se torna inaceitável, seja quando se trata de um simples espaço de prática laboratorial no ensino de Jornalismo (como é o caso do blog Crítica de Ponta) ou mesmo envolvendo outros serviços de mídia, política ou cultura.


Vale destacar que, mesmo sendo a emissora integrante de um sistema a cabo (por assinatura), trata-se de um serviço de caráter público em comunicação e, pois, sujeita a uma legislação federal a ser cumprida, e respeitada, porque tal serviço é de interesse social.


Diante dessa situação, é urgente a adoção de medidas que dêem um basta a tais agressões explícitas, já registradas por outros telespectadores, assegurando o direito a qualquer usuário de não ser ofendido pela exposição midiática apenas por não concordar ou expressar opinião contrária a alguém que, teoricamente, dispõe de espaço freqüente em um determinado veículo de comunicação.


Os professores do Departamento de Comunicação da UEPG solicitam atenção (do Ministério Público Federal, assessoria jurídica da UEPG, direção da TV Vila Velha, subseção OAB/Ponta Grossa e Anatel) quanto aos seguintes aspectos:


** uso indevido e ilegal de um meio de comunicação social, pelo apresentador do programa RP2 da TV Vila Velha de Ponta Grossa, com base na edição do dia 31/03/10, reprisada em seguida, bem como nas apresentações dos dias seguintes (que também fazem referência ao episódio);


** responsabilidade (civil e criminal) do uso do espaço televisivo, na medida em que são registrados ataques explícitos (de caráter moral e físico) no referido programa;


** descumprimento da legislação federal quanto ao uso de mídia comercial televisiva; e


** cumprimento e respeito, por parte da TV Vila Velha, tendo por base o citado programa, ao que estabelece a legislação sobre limites de conteúdo/imagens em termos de horários, bem como à legislação da TV a cabo.


E, por fim, os ataques, com agressões e ameaças, não ficaram restritos ao estudante que assina o texto (crítica cultural), pois são também dirigidos a outros alunos que fizeram comentários no mesmo Crítica de Ponta, bem como caracterizam um ataque à imagem de uma instituição pública de ensino superior (a UEPG, a partir do Curso de Jornalismo).


Esperamos, assim, contar com o apoio da sociedade civil organizada para viabilizar formas e mecanismos públicos de controle social de um serviço (a mídia) que deve(ria) ser de acesso universal e democrático, livre de qualquer apropriação privada ou uso indevido para fins particulares.

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Professores (ela, coordenadora)do Curso de Jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa